Em entrevista à Agência Brasil, Dias lembrou que, após a Independência do Brasil, em 1822, um grupo de intelectuais, escritores e estudiosos tentava articular a ideia de uma nacionalidade efetivamente brasileira. “Então, a gente estava diante de um país absolutamente jovem, sem um passado histórico, diferente do que havia em nações da Europa, que tinham passado pelo advento do período medieval. Nós não tínhamos isso no Brasil. Nós tínhamos os povos originários”. Coube a essa geração de intelectuais a tarefa de construir a primeira ideia de nacionalidade.
Do ponto de vista estético, o professor destacou que, em Gonçalves Dias, o primeiro ponto de inflexão é de uma poesia alta. “Uma poesia esteticamente consolidada, que soube aclimatizar a formação intelectual que ele teve na Europa, especialmente em Portugal, para o temperamento brasileiro. Ele vem com uma formação sólida intelectual feita em Portugal, e essa formação sólida está a favor da construção de uma poesia brasileira nos termos daquele momento da primeira metade do século 19, no Brasil”.
Por isso, afirmou, comemorar os 200 anos de nascimento de Gonçalves Dias significa celebrar um pioneiro, não só do ponto de vista de uma literatura efetivamente brasileira, mas no sentido da construção da ideia de nacionalidade brasileira.
Toda a poesia nacionalista diz respeito à fase indianista, em que Gonçalves Dias celebra as paisagens brasileiras e o indígena brasileiro. Mas, enquanto José de Alencar, na prosa, transforma o indígena em um personagem muito particular da literatura nacional, Gonçalves Dias faz algo diferente. Ele não transforma o indígena em um personagem, mas em um símbolo. “Essa figura indígena que hoje, aos olhos de 2023, a gente pode e deve questionar, naquele momento teve um papel importantíssimo porque Gonçalves Dias vai retratar a figura do indígena, portanto do primeiro homem brasileiro efetivamente, como uma entidade que, além de nobre, forte, viril, é capaz de suportar as maiores adversidades.”
O poema épico Canto do Tamoio, por exemplo, é a narração poética de um guerreiro indígena que está nas mãos dos inimigos. E, diante da situação de cárcere, esse homem canta sua lamentação de estar naquele momento preso, mas não perde a altivez. “Nesse sentido, Gonçalves Dias tem um papel extraordinário, porque vai trazer para o primeiro plano uma figura que sequer aparecia no âmbito da cultura brasileira, a não ser como objeto também da escravidão e da exploração branco europeia. Ele tem esse papel importante.”
Dias salientou que, na leitura feita atualmente, existem divergências sobre a imagem grandiloquente que o poeta criou dos indígenas. mas isso não significa, “como alguns tentam fazer nos dias atuais”, que a construção dos escritores românticos da fase indianista contribuiu para uma imagem deturpada da figura do indígena. “Não. Isso é uma incorreção dizer”. Para o professor, é importante ressaltar que Gonçalves Dias foi um dos primeiros escritores a dar protagonismo às populações indígenas no Brasil. Outro poema épico famoso de Dias é I-Juca-Pirama.
O professor concluiu que um dos grandes méritos de Gonçalves Dias é o fato de ele ter concentrado, no âmbito da poesia indianista, a construção de grandes poemas épicos, exaltando a figura do indígena e, por extensão, da própria nação brasileira. Gonçalves Dias era o cantor das terras brasileiras e foi também o cantor do amor e das paixões. “Era um romântico típico, sofrendo muito os amores, quase sempre não realizados.”
O também poeta Marco Lucchesi, ex-presidente da Academia Brasileira de Letras (ABL) e atual titular da Biblioteca Nacional (BN), enfatizou que Gonçalves Dias criou uma gramática para exprimir as diversas sonoridades da língua portuguesa com “exímia perfeição”. Lucchesi disse à Agência Brasil que Gonçalves Dias, entretanto, não se limitou às formas. “As formas emprestaram materialidade para a expressão mais lírica de sua sensibilidade.”
Por outro lado, o poeta ajudou a pensar o Brasil, acrescentou Lucchesi. “A imaginação e a história se concentram na sua obra. A presença do indígena, sentida desde a infância e lançada em uma visão sensível e profunda que, de algum modo, até hoje, se apresenta, revista, aprofundada, deslocada”. Segundo o acadêmico, Gonçalves Dias foi também um crítico importante da escravidão no país, como se vê em uma publicação dele, na metade do século 19, intitulada Meditação. “Não passou despercebida pela ótica do poeta a necessária crítica a um sistema injusto de outrora.”
Lucchesi retornou de visita à Academia Maranhense de Letras, onde participou, no último dia 7, das comemorações do bicentenário do poeta romântico, proferindo a palestra Gonçalves Dias, uma Ideia de Brasil. Para sua surpresa, Lucchesi recebeu do titular da academia maranhense, Lourival Serejo, cópias de processos inéditos redigidos por Gonçalves Dias que estavam guardados no arquivo da instituição, quando o poeta exercia a advocacia. “As cópias foram cedidas gentilmente e, hoje, já integram a Gonçalvina da Biblioteca Nacional.”
Fundada em 1908, exatamente no dia do nascimento do poeta, a Academia Maranhense de Letras está exibindo em seu site o filme Gonçalves Dias por Gonçalves Dias, produzido pelo Museu da Memória Audiovisual do Maranhão e pela Dupla Criação. Também em comemoração ao bicentenário do poeta maranhense, o filme se baseia em texto do acadêmico Sebastião Moreira Duarte e é dirigida pelo acadêmico Joaquim Haickel.
Antônio Gonçalves Dias, patrono da Cadeira 15 da Academia Brasileira de Letras, nasceu em 10 de agosto de 1823, no sítio Boa Vista, em terras de Jatobá, na época pertencente a Caxias, hoje município de Aldeias Altas, no Maranhão. Foi poeta, advogado, professor, jornalista, etnógrafo e teatrólogo brasileiro. Grande nome da corrente literária conhecida como indianismo, ao lado de José de Alencar, é famoso pelos poemas Canção do Exílio e I-Juca-Pirama, além de muitos outros de cunho nacionalista e patriótico, pelos quais receberia o título de poeta nacional do Brasil. Também foi pesquisador das línguas indígenas e do folclore brasileiro.
Recebeu educação de um professor particular e, em 1938, seguiu para Portugal, para completar os estudos. Em 1840, matriculou-se na Universidade de Direito de Coimbra, onde teve contato com escritores do romantismo português, entre eles, Almeida Garrett, Alexandre Herculano e Feliciano de Castilho. Durante sua permanência em Coimbra, escreveu a maior parte de suas obras, inclusive a famosa Canção do Exílio (1843), na qual expressa o sentimento da solidão e do exílio. Em 1845, depois de formado em direito, voltou para o Maranhão e, no ano seguinte, foi morar no Rio de Janeiro onde procurou integrar-se ao meio literário. Em 1847, com a publicação de Primeiros Cantos, conseguiu sucesso e o reconhecimento do público.
Em 1849, foi nomeado professor de latim e história do Brasil no Colégio Pedro II. Escreveu para várias publicações, entre elas, o Jornal do Comércio, a Gazeta Mercantil e o Correio da Tarde, fundando também nesse período a Revista Literária Guanabara. De volta ao Maranhão, em 1851, o poeta se apaixona por Ana Amélia Ferreira do Vale e a pede em casamento no ano seguinte, mas, por ser mestiço, a família dela proibiu o matrimônio.
Em 1852, retorna ao Rio de Janeiro e se casa com Olímpia da Costa. É nomeado oficial da Secretaria de Negócios Estrangeiros e passa a viajar constantemente para a Europa. Em 1862, Gonçalves Dias vai mais uma vez à Europa, em busca de tratamento para um problema de saúde. Sem encontrar resultados, embarca de volta ao Brasil no dia 10 de setembro de 1864. Entretanto, o navio francês Ville de Boulogne em que viajava naufragou perto do Farol de Itacolomi, no município de Guimarães, na costa do Maranhão, onde o poeta faleceu, no dia 3 de novembro de 1864.
Gonçalves Dias é considerado o grande poeta romântico brasileiro. Sua obra poética apresenta os gêneros lírico e épico. Na lírica, os temas mais comuns são: o indígena, o amor, a natureza, a pátria e a religião. Na épica, canta os feitos heroicos dos povos indígenas.
A parte amorosa contida nos versos de Gonçalves Dias foi inspirada por Ana Amélia Ferreira do Vale, cuja família não permitiu o casamento. A recusa causou sofrimento ao poeta, que ele registrou nos poemas Se Se Morre de Amor, Minha Vida e Meus Amores e o mais conhecido poema de amor impossível Ainda Uma Vez – Adeus.
Como poeta da natureza, Gonçalves Dias canta as florestas e a luz do sol. Seus poemas sobre os elementos naturais conduzem seu pensamento a Deus. Sua poesia sobre a natureza se entrelaça com o saudosismo e sua nostalgia o remete à infância, Na Europa sente-se exilado e é levado até sua terra natal através da Canção do Exílio, considerado um clássico da literatura brasileira.
A biografia completa do poeta pode ser acessada no site da Academia Brasileira de Letras.