Ainda incipiente no Brasil, a irradiação de alimentos é um tipo de uso da energia nuclear para prolongar a vida útil de produtos. As indústrias que a utilizam são discretas quanto à divulgação por receio de polêmicas contra a tecnologia - mesmo que a informação de "alimento irradiado" já apareça nas embalagens de produtos industrializados.
A irradiação consiste em expor um produto a uma dose controlada de radiação ionizante. A técnica elimina, nos alimentos, microrganismos e retarda o amadurecimento, prolongando o prazo de validade. Em alguns casos, substitui até o uso de agrotóxicos. “Para inibir o aparecimento de caruncho no feijão, os lepidópteros, que são aquelas borboletinhas que dão no chá, você irradia, porque antes o pessoal utilizava agrotóxico e é uma carga mutagênica e cancerígena alta”, explica a pesquisadora do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (IPEN) Anna Lucia Villavicencio.
No Brasil, esse tipo de técnica já é utilizada em algumas indústrias, como a de equipamentos médicos e de cabos de motores de veículos. “Existe um leque de aplicações da tecnologia nuclear, mas não há uma planta industrial dedicada à irradiação de alimentos no país”, diz o diretor de Radioproteção e Segurança, da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN).
O uso ainda causa dúvidas nos produtores e consumidores. O presidente da Associação Rural e Cultural Alexandre de Gusmão (Arcag), Shoji Saiki, diz que já ouviu falar, mas ainda tem receio da técnica. “Eu acho que a maior dúvida nossa é sobre a parte de segurança alimentar, a gente ainda não tem uma ideia de como poderia ser, se são seguros esses alimentos”. Tiago Rusin, que é pesquisador do assunto e assessor do Comitê de Desenvolvimento do Programa Nuclear Brasileiro, afirma que a técnica não torna o produto radioativo ou contaminado, é um processo físico da radiação ionizante.
Se no campo alimentício a irradiação ainda gera dúvidas, na área da saúde ela já é muito conhecida. Um dos casos mais recentes de sucesso de pesquisas foi com o coronavírus. O Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen), que já havia usado a irradiação para inativar o vírus da dengue, conseguiu, junto com o Instituto Butantan, usar a técnica contra o vírus da covid-19. “A irradiação conseguiu inativar o vírus, que ficou morto, porém toda estrutura terciária dele foi mantida”, explica a pesquisadora do Ipen Mônica Mathor. Segundo a cientista, o organismo reconhece o vírus morto como estranho, mas produz anticorpos eficazes contra ele.
Com isso, o Ipen e o Butantan desenvolveram o soro a partir do plasma do sangue de cavalos, onde o vírus inativado foi injetado, que pode ser usado no tratamento de pacientes diagnosticados. O soro ainda está em fase de testes, mas apresenta boas perspectivas. “Ele pode ser utilizado principalmente em pacientes imunodeprimidos ou que têm problema em produzir anticorpos, já que o soro contém anticorpos funcionando, sem precisar do tempo de desenvolvimento do sistema imune do paciente”, explica Mônica Mathor.
Em Iperó, interior de São Paulo, está sendo desenvolvido o reator para o primeiro submarino nacional com propulsão nuclear. A tecnologia vai possibilitar que a embarcação fique submersa por meses, só vindo à superfície em razão da tripulação ou abastecimento de alimentos. No caso dos submarinos brasileiros hoje em atividade, há que se realizar entre três e quatro operações de esnorquel por dia. Nesse tipo de operação, o submarino permanece mergulhado, na profundidade de periscópio, admitindo o ar atmosférico para poder partir os conjuntos motor diesel-geradores, que carregam a bateria.
O reator possibilitará uma maior mobilidade, com velocidade média de até 35 nós (quase 65 km/h), ao contrário dos submarinos convencionais que têm deslocamento de 6 nós (mais ou menos 11 km/h). Hoje, há 230 portos na costa brasileira e 95% do comércio internacional é por via marítima.
O episódio do programa Caminhos da Reportagem desta semana “Energia Nuclear: para que serve?”, fala desses usos de tecnologia nuclear nessas e outras áreas, e ainda discute porque ela gera tanto debate. O programa vai ao ar no domingo (30), às 20h, na TV Brasil.
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Reportagem - Tiago Bittencourt
Produção - Claiton Freitas e Tiago Bittencourt
Apoio produção - Natalia Neves (RJ)
Reportagem cinematográfica - João Marcos Barbosa (SP) e Sigmar Alves (DF)
Apoio reportagem cinematográfica - André Pacheco (DF), Eduardo Guimarães (RJ), Manoel Lenaldo (DF) e Rogério Verçosa (DF)
Auxílio técnico - Caio Manlio (SP), Dailton Matos (DF)
Apoio auxílio técnico - Adaroan Barros (RJ), Alexandre Sousa (DF), Jairom Ferreira (DF), José Carlos (DF), Thyago Pignata (DF)
Edição de imagens e finalização - André Eustáquio e Jerson Portela
Edição de texto - Carina Dourado
Arte - Eudes Lins