Passados 11 dias da tragédia que assolou Petrópolis e que tirou a vida de pelo menos 217 pessoas, a preocupação dos sobreviventes passa a ser onde morar. Nos primeiros dias que se seguiram ao temporal de 15 de fevereiro, a maioria buscou abrigo na casa de parentes, de amigos ou em abrigos - que nesta sexta-feira (25) reuniam 889 pessoas, em 13 pontos de apoio.
Porém, com o passar do tempo, a busca passou a ser por um endereço próprio, pois dividir o espaço com estranhos ou mesmo familiares não é algo fácil, por causa do aperto ou do comportamento dos outros, o que muitas vezes acaba gerando atritos.
No Morro da Oficina, é grande o número de pessoas subindo e descendo as ladeiras, trazendo nas mãos sacolas com o pouco que restou de suas vidas, objetos e peças de roupas localizados dentro dos imóveis que não foram abaixo, mas que não têm mais condições de segurança, por estarem à beira de barrancos, com as paredes rachadas ou em frente a enormes buracos que se abriram no chão.
“Eu estava em casa com a minha filha e chovia muito. Eu escutei um estrondo e vi aquela avalanche de lama. Nós corremos para o quarto e ficamos presos lá, tentando sair. Quando quebrei uma telha, vi que não tinha mais morro. Graças a Deus tivemos a vida preservada, mas o recomeço é muito difícil. Perder tudo é complicado. Estou na casa da minha sogra e agora é aguardar essa saga do aluguel social. Eles falaram que vão dar, mas não disseram o dia. Dão um número de telefone que só chama até cair”, relatou Rosilane Amaral da Silva.
Sentada à beira do caminho onde antes havia sua casa, junto do marido, Jaime, motorista de aplicativo, eles foram pegar algumas coisas que pudessem carregar, como roupas e objetos pessoais, antes que a casa caísse em definitivo, pois ficou à beira do barranco que se formou, quando o morro veio abaixo. “A única coisa que minha filha pediu para trazer é uma caixa de fotos antigas”.
Situação semelhante vive a família de Marisa Pereira, que ficou com a casa preservada, mas teve a mãe soterrada no deslizamento, atingida na casa de uma vizinha, no Morro da Oficina.
“O prefeito disse que vai botar uma equipe para procurar casas de aluguel social. Não quer saber das condições das famílias, se tem filhos nas escolas próximas. O certo é dar o dinheiro e cada um se organizar. E, além disso, ninguém vai querer alugar uma casa sabendo que é para a prefeitura. Pois eles falam que vão repassar para o proprietário, aí atrasam um mês, dois meses, e te ameaçam botar pra fora. Vão botar a gente onde? Estão nos tratando como se fôssemos mais um número”, reclamou Marisa, que trabalha em uma creche.
Em outra parte do morro, a aposentada Maria José subia com dificuldade a imensa escadaria que leva à parte alta, procurando a sombra de um muro para descansar.
“Eu estou perdida, um desespero só. No dia que caiu isso tudo, parecia que tinha vindo um furacão. Todo mundo que eu conhecia está morto, tudo debaixo dessa terra. Morreu tudo. Eu estava em casa e vi quando desceu. Minha neta perguntou o que era e eu disse que o céu estava caindo. Vi a tragédia passar pela minha janela. Essas imagens não saem da minha cabeça. É uma coisa horrível. Agora estou na casa de uma amiga. Eu quero voltar para a minha casa. Mas não sei o que vão fazer comigo. O pessoal não deixa eu voltar”, disse ela, que morava há 45 anos no local.
A prefeitura de Petrópolis foi procurada para se manifestar sobre o andamento dos processos de aluguéis sociais, mas não se pronunciou até a publicação da matéria.
Em uma grande tenda armada na rua em frente ao Morro da Oficina, milhares de peças de roupas e centenas de pares de calçados são disputados por moradores atingidos pela tragédia. Alguns ficaram sem nada, apenas com a roupa do corpo. Outros tentam pegar algo para entregar a parentes ou amigos, igualmente atingidos.
“Na semana que caiu a gente teve que sair [de casa] porque tinha risco. Só que a gente não tem para onde ir e voltamos para casa. Esse é o grande problema. O aluguel social aumentou [de valor], porém os aluguéis aumentaram junto”, disse Kathlen Fonseca, que está grávida de 7 meses e tentava encontrar, na montanha de donativos, roupas de cama, toalhas de banho e sapatos.
Ao lado dela, outras pessoas também tentavam conseguir uma roupa que servisse ou um par de calçados, que estavam todos misturados, tornando difícil encontrar o par certo.
“Eu perdi tudo. Caiu, desmoronou. Todos se salvaram, pois saímos rápido. Agora estou na casa de uma prima. Estou procurando roupas, mas sapato ainda não consegui. Até agora ninguém falou de aluguel social. Eu não quero mais morar aqui, pretendo ir embora. É muita lembrança ruim de Petrópolis”, disse a aposentada Sandra Viana, que trouxe o filho para ajudar.
Enquanto isso, no alto do Morro da Oficina, o trabalho dos bombeiros e socorristas continuava na busca de desaparecidos. Com a ajuda de cães farejadores e informações de parentes, eles formavam grupos, atuando em determinadas áreas onde era provável a localização dos corpos.
As equipes são guiadas pelo faro dos cães da corporação, alguns vindos de outros estados. É o caso dos bombeiros catarinenses Thiago Amorim, com a cadela Moana, de Itajaí, e Guilherme Galli, com o cão Sasuke, de Lages, ambos animais da raça Labrador.
“A gente emprega os cães com intervalos necessários para o descanso deles. Tudo é feito de acordo com a saúde física do animal. Eles não são colocados em nenhuma condição que não estejam aptos para atuar. Grande parte das vítimas que foram encontradas nesta tragédia foi por indicação dos cães. Estamos há oito dias atuando aqui. É uma situação que cansa não apenas a parte física, mas também a parte mental, do humano e do cão”, contou Amorim.
No total, são 50 duplas de homens e cães, incluindo equipes dos estados de São Paulo, Bahia, Minas Gerais e Santa Catarina e das cidades fluminenses de Magé, Teresópolis e Rio de Janeiro.
Alguns bombeiros chegaram horas depois da tragédia, no meio da noite, vindos do Rio de Janeiro, em apoio às equipes locais, e estavam praticamente trabalhando sem cessar desde então, com raras folgas para o descanso.
“Foram cenas impactantes. Com certeza, foi uma das ocorrências que mais me marcou. Porque a gente teve a oportunidade de chegar no local logo em seguida ao que aconteceu. Pegamos a estrutura crua, sem uma organização para poder fazer o suporte. No momento é buscar os corpos possíveis de encontrar. A gente ainda está na adrenalina. Perdi as contas do número de corpos que encontramos. Foram dezenas”, relatou o major médico Leonardo Rodrigues, que já atuou em ocorrências como a queda do Edifício Liberdade, no centro do Rio, em 2012, o rompimento da barragem de rejeitos em Brumadinho (MG), em 2019, e a explosão de nitrato de amônio no porto de Beirute, no Líbano, em 2020.