O Ministério Público Federal (MPF) e o Procon-SP solicitaram informações à plataforma LinkedIn sobre a exclusão de um anúncio de uma vaga de emprego, feito pelo Centro de Análise da Liberdade e do Autoritarismo (Laut), em que seria dada preferência a candidatos negros e indígenas.
De acordo com o MPF, a decisão da plataforma contraria esforços realizados no Brasil para a inclusão de minorias por meio de ações afirmativas e o LinkedIn deverá esclarecer qual regra norteou a remoção do anúncio, detalhando seus fundamentos jurídicos, no prazo de dez dias úteis contados a partir de 23 de março.
O LinkedIn é uma rede social destinada ao mercado de trabalho, em que os usuários compartilharem informações profissionais, enquanto empresas podem divulgar oportunidades de emprego.
“O Supremo Tribunal Federal entende essas medidas 'não somente como reparação histórica em favor de grupos subalternizados, mas como forma de beneficiar toda a sociedade prospectivamente, por meio da construção de espaços mais plurais e menos excludentes'. O país também é signatário de tratados e convenções que estimulam a inclusão e o oferecimento de oportunidades para indivíduos e grupos sociais vítimas de discriminação e intolerância”, divulgou o MPF, em nota.
Questionada por usuários sobre a retirada do anúncio, no Twitter, a plataforma LinkedIn respondeu que suas políticas são aplicadas de forma consistente a todos os usuários e que se pede que “as vagas não especifiquem preferências ou requisitos relacionados a características individuais, como idade, sexo, religião, etnia, raça ou orientação sexual”.
Já o Procon-SP informou que a empresa deverá apresentar até hoje (24) informações como: se há aplicação de políticas específicas que norteiam as publicações e como os anunciantes são informados das mesmas e em que situações ocorre eventual exclusão de anúncio já publicado.
O reitor da Faculdade Zumbi dos Palmares, José Vicente, avalia que as políticas afirmativas “são indispensáveis sobretudo num país marcado pela exclusão, pela desigualdade racial e sobretudo pela manifesta intensidade do racismo nas relações sociais e nas relações do mercado de trabalho”.
“Em qualquer país, elas [políticas afirmativas] são importantes para garantir a representação, a pluralidade e a diversidade, e num país como o nosso, que tradicionalmente é excludente por conta do racismo estrutural, é indispensável. Sem elas, a gente continuará com o mesmo panorama que nós temos hoje, ou seja, 54% da população de negros e você não tem negros nas empresas”, acrescentou.
Ele avaliou ainda que é indispensável a atuação do MPF e do Procon em situações como essa. “Porque quem tem as ferramentas, a competência e também a reserva legal para poder fazer intervenção dessa natureza é justamente o Procon e o Ministério Público. Sem as instituições para implementar essas ações, o direito fica insubsistente, você consegue até efetivamente identificar o agressor, mas [sem as instituições] não consegue punir, não consegue ao final responsabilizá-lo.”
A Agência Brasil procurou o LinkedIn para comentar o ocorrido, mas ainda obteve retorno.
Especialistas participantes do Seminário Diversidade e Equidade no Setor de TI no Brasil: Perspectivas sobre o trabalho e inclusão digital, realizado no início do mês pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), apontaram o racismo como uma barreira à diversidade e equidade em empresas.
A presidente da organização Geledés e pós-doutoranda em Diversidade Étnico-Racial na Universidade de São Paulo (USP), Antonia Quintão, apontou que, no ambiente organizacional, é preciso que haja uma mudança de paradigma e que todos os funcionários, principalmente aqueles que decidem, entrevistam, selecionam e fazem as contratações, reflitam sobre as relações sociais no Brasil e sobre os seus próprios preconceitos.
“É importante que as empresas definam com clareza os seus objetivos, que elaborem planejamento, que estabeleçam metas, isso não vai acontecer espontaneamente”, disse na ocasião. Segundo ela, é preciso desconstruir os preconceitos do racismo estrutural e investir na capacidade da juventude negra.
Questionada sobre quais os principais desafios a serem superados para participação de mulheres afrodescendentes e outros socialmente excluídos especificamente da tecnologia, a doutoranda em Ciência da Computação na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS), com foco em Gestão da Diversidade, Biamichelle Miranda apontou o racismo.
“O racismo vai ditar a questão da nossa educação, o atraso na nossa educação, e é por isso que a gente fala sobre cotas, o racismo vai ditar o porquê somos tão poucos dentro da área da TI porque não é de agora”, disse.
A Agência Brasil solicitou posicionamento da plataforma LinkedIn, mas teve retorno até a conclusão da reportagem.