O licenciamento concedido à mineradora Tamisa para exploração de área da Serra do Cipó, cartão postal de Belo Horizonte, é alvo de diferentes contestações judiciais.
O empreendimento já vinha sofrendo questionamentos em um processo movido pelo Ministério Público de Minas Gerais (MPMG). Ontem (1º), o partido Rede Sustentabilidade também acionou a Justiça. A prefeitura de Belo Horizonte informou que estuda adotar o mesmo caminho. Outra ação foi ajuizada hoje (2) de forma independente pelo advogado Thales Freire.
O empreendimento, nomeado Complexo Minerário Serra do Taquaril, foi licenciado na madrugada de sábado (30) pelo Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam), órgão colegiado consultivo e deliberativo vinculado à Secretaria de Estado de Meio Ambiente (Semad). A reunião que tratou do assunto teve início na manhã de sexta-feira (29) e, dada a quantidade de manifestações, durou cerca de 18 horas. O placar final foi 8 a 4.
Todos os quatro representantes do governo mineiro defenderam o aval à mineradora: eles falaram em nome da Secretaria de Estado de Governo (Segov), da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Econômico (Sede), da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social (Sedese) e da Companhia de Desenvolvimento Econômico de Minas Gerais (Codemig). A eles se somou a Agência Nacional de Mineração (ANM), órgão responsável pela fiscalização do setor no país.
As seis entidades da sociedade civil com cadeira na atual composição do Copam se dividiram. Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias Extrativas (Sindiextra), Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg) e Sociedade Mineira de Engenheiros (SME) votaram pela liberação do empreendimento. Os outros três - Fundação Relictos (Relictos), Associação Promutuca (Promotuca) e Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental (Abes) - foram contra.
O quarto voto desfavorável à atividade minerária na região veio do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), autarquia federal vinculada ao Ministério do Meio Ambiente. Com o licenciamento, a Tamisa foi liberada para instalar um complexo minerário de grande porte com vida útil de 13 anos em uma área de 101,24 hectares. A área inclui 41,27 hectares de vegetação nativa de Mata Atlântica que precisarão ser desmatados.
Segundo nota divulgada pela Semad, os processos de licenciamento envolvem amplos estudos técnicos que servem de suporte para decisão dos membros do Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam) e também da Câmara de Atividades Minerárias (CMI).
"A empresa responsável pelo projeto terá que cumprir compensações ambientais e florestais impostas pela legislação, que incluem a preservação e/ou recuperação de cerca de quatro vezes a área total suprimida, além de investir 0,5% do valor total de investimentos do projeto em ações ambientais", diz a nota.
Ainda segundo o órgão, foram impostas diversas condicionantes como a elaboração do Estudo de Dispersão Atmosférica (EDA) e a realização de ações de resgate de animais silvestres no entorno do empreendimento.
O projeto não dependia do aval da prefeitura de Belo Horizonte, pois a região a ser minerada pertence a Nova Lima, ainda que próximo aos limites que dividem as duas cidades. O município vizinho à capital mineira atestou a conformidade do projeto em fevereiro deste ano.
Segundo o Ministério Público, a medida foi irregular. No início da semana passada, antes mesmo da reunião do Copam, uma ação judicial foi movida para contestar a prefeitura de Nova Lima. Os promotores à frente do caso sustentam que a legislação urbanística municipal proíbe a atividade de mineração na região. Procurada pela Agência Brasil, a prefeitura de Nova Lima não se manifestou.
Após a aprovação do licenciamento na madrugada de sábado, o assunto se tornou um dos mais discutidos em redes sociais. Ontem, ambientalistas fizeram um protesto em forma de uma caminhada ecológica de 15 quilômetros saindo do bairro Saudade, em Belo Horizonte, e indo até Nova Lima. Mesmo antes da apreciação do tema pelo Copam, já havia uma mobilização de ativistas: diferentes atos ocorreram na última semana em praças públicas da capital mineira.
Pesquisadores do projeto Manuelzão, vinculado à Universidade Federal de Minas Gerais, e integrantes do movimento Tira o Pé da Minha Serra temem que a atividade minerária impacte a disponibilidade hídrica e libere partículas de poeira capazes de afetar a qualidade do ar na região centro-sul da capital mineira, além de causar diversos danos ao bioma local. Na ação movida ontem, o partido Rede Sustentabilidade sustentou que a votação não levou em consideração as manifestações técnicas e populares.
A Agência Brasil tentou sem sucesso contatar a Tamisa. Em seu site, a mineradora mantém um vídeo de três minutos onde afirma que informações distorcidas vêm sendo disseminadas sobre o seu projeto e alega que o perfil da Serra do Curral não será afetado.
"A interferência nos recursos hídricos será mínima, sem rebaixamento do lençol freático e sem afetar a vazão das três nascentes envolvidas. O projeto não terá barragem de rejeitos e sua implantação se dará em harmonia e equilíbrio com a fauna e a flora, contando com robustos programas de manejo e conservação de espécies ameaçadas. Os efeitos de poeira, ruído e vibração ficarão restritos à área do projeto", diz o vídeo.
Além de abrigar grande diversidade de espécies de fauna e flora, a Serra do Curral também é referência histórica e geográfica de Belo Horizonte. Em sua encosta, há vestígios arqueológicos remanescentes do antigo arraial de Curral Del Rei, que foi escolhido para dar lugar a Belo Horizonte no final do século 19. A decisão levou em conta a beleza natural da região, a condição climática e a riqueza hídrica.
Em 1995, a Serra do Curral foi escolhida símbolo da capital mineira em um plesbicito organizado pela prefeitura, superando a Igreja São Francisco de Assis, a Lagoa da Pampulha, a Praça da Liberdade e outras referências da cidade.
Para estimular o ecoturismo na região, foi criado em 2012 o Parque da Serra do Curral. Abrangendo uma área de 400 mil metros quadrados, ele atrai interessados em fazer trilhas e conta com 10 mirantes.
Desde 1960, a Serra do Curral já é considerada patrimônio histórico e artístico nacional. No entanto, foi tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) apenas o trecho que, tendo como eixo central a Avenida Afonso Pena, se estendia 900 metros à esquerda e à direita. Na prática, protegeu-se apenas a vista a partir de Belo Horizonte. Essa proteção foi reiterada em 1991, com o tombamento, pela prefeitura de Belo Horizonte, de toda a porção inserida nos limites da capital.
Mas a preservação das porções situadas em municípios vizinhos como Nova Lima e Sabará depende de um tombamento pelo Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (Iepha). Um processo com esse objetivo teve início em 2018 e o dossiê final já foi concluído, mas ainda resta pendente de apreciação pelo Conep (Conselho Estadual do Patrimônio Cultural).
Com base nesse processo, o Ministério Público de Minas Gerais já havia, em maio do ano passado, contestado o avanço da avaliação do licenciamento do projeto da Tamisa. Para os promotores, a Serra do Curral deveria estar resguardada até a conclusão da votação que poderá selar seu reconhecimento definitivo como patrimônio de Minas Gerais.
Além disso, eles apontam que, desde 1960, outras incursões minerárias de menor porte já deixaram suas marcas. "A Serra do Curral já ostenta gigantescas cicatrizes da mineração, que impactam negativamente a beleza cênica da paisagem e compromete a integridade do conjunto histórico e arqueológico", registra a ação.
Um dos ativistas à frente da mobilização pela preservação da Serra do Curral é o urbanista e professor da Universidade Federal de Minas Gerais, Roberto Andrés, que usa seu perfil nas redes sociais para fomentar o debate.
Andrés considera que o processo de tombamento já pressupõe uma situação de proteção. Segundo ele, com o dossiê concluído, a aprovação final no Conep já deveria ter ocorrido, mas o assunto tem sido mantido fora da pauta. "Minerar a Serra do Curral é como se a população do Rio de Janeiro permitisse que se fizesse mineração no Pão de Açúcar", compara.