A comissão externa da Câmara sobre rompimento de barragens vai atuar na superação dos entraves na repactuação dos acordos de reparação do crime socioambiental de Mariana, que matou 19 pessoas em 2015, após o rompimento da barragem do Fundão. Um balanço da situação, realizado na primeira audiência pública do colegiado nesta terça-feira (7), mostrou atraso nas negociações e dúvidas quanto a pontos cruciais, como valor global e prazo das compensações, além da responsabilidade pela execução de obras.
A repactuação dos acordos é mediada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) desde 2021, diante do fracasso de reparações conduzidas pela Fundação Renova, representante das mineradoras Samarco, Vale e BHP Billiton. A mediação deve ser retomada em 15 de março após paralisações provocadas pelo calendário eleitoral e mudanças no governo federal.
O advogado-geral da União adjunto, Junior Fideles, explicou que uma das dúvidas do governo Lula diz respeito ao risco de as mineradoras usarem a repactuação para transferir a responsabilidade de reparação para União, estados e municípios. “Precisamos refletir sobre a suficiência ou não da transformação dessas obrigações de reparar, que antes eram das empresas, por obrigações de compensar mediante pagamento a órgãos públicos. Esse modelo nos atende?", indagou.
Fideles defendeu a elaboração de diretrizes para a repactuação para, assim, retomar o processo de negociação no âmbito do Executivo.
O coordenador da comissão externa, deputado Rogério Correia (PT-MG), vai cobrar rapidez do governo nessa e em outras decisões sobre a repactuação, diante de urgências da população vivenciadas ao longo bacia do Rio Doce em Minas Gerais e no Espírito Santo. “A Casa Civil ficará responsável pela coordenação em todo o governo federal. Então, que a primeira visita técnica já seja, o mais breve possível, ao ministro Rui Costa para que a comissão inicie um debate com ele e, a partir daí, fazermos o nosso cronograma”.
Judicialização
Em busca de um balanço da situação atual, a audiência pública reuniu vários setores interessados na repactuação dos acordos de Mariana. De imediato, o coordenador nacional do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), Joceli Andreoli, resumiu o resultado do atraso nas ações efetivas. “O que é verdade, até agora, é que houve um crime que matou pessoas; destruiu um dos principais rios de Minas Gerais, que é o Rio Doce; contaminou o litoral capixaba; e até hoje não se reparou", ressaltou.
Ele também criticou as posturas dos governos e das instituições de Justiça e voltou a cobrar reparação, sete anos depois de ocorrido o crime ambiental. "Em Mariana, os atingidos já não são mais os mesmos: pessoas morreram sem ter o direito ao reassentamento”, lamentou.
Diretamente de sua propriedade na Ilha Brava, na cidade mineira de Governador Valadares, Joelma Teixeira exibiu imagens do efeito do assoreamento do Rio Doce por lama e blocos de rejeito de minério de ferro, que afetam a saúde e a produção dos pequenos agricultores da região.
O secretário-adjunto de planejamento de Minas Gerais, Luiz Otávio de Assis, explicou o porquê de, até agora, quase 80% das 500 decisões colegiadas de reparação impostas à Fundação Renova não terem sido executadas. “O Comitê Interfederativo (CIF) decide, a Renova não cumpre, o comitê cobra e a Renova judicializa. Infelizmente, essa é a rotina da reparação hoje: um processo totalmente judicializado”, esclareceu.
Diante do atraso, advogados ajuizaram ações de indenização nos tribunais da Inglaterra, onde a BHP Billiton está sediada. Uma das sentenças é esperada para 2024, com possibilidade de acordos prévios neste ano. Porém, o procurador da República Carlos Ferreira da Silva, que coordena a força-tarefa do Ministério Público sobre Mariana e Brumadinho, teme pelos efeitos dessa ação judicial internacional. “Porque o pressuposto do acordo na Inglaterra é o fracasso do processo judicial brasileiro. Além do terrível dano à imagem internacional do Brasil”, disse.
O mediador do CNJ, Luiz Fernando Bandeira de Melo, reforçou o discurso de que a repactuação é o melhor caminho para garantir efetivamente o atendimento dos direitos dos atingidos e das regiões afetadas pelo rompimento da barragem do Fundão. “É claro que o acordo dos sonhos não sairá necessariamente dessa mesa (de negociação). A gente lida sempre com o possível. Eu não consigo imaginar um contexto em que um juiz singular fosse condenar qualquer empresa em uma conta de R$ 65 bilhões. E, se o juiz der, o tribunal reforma. Se o tribunal não reformar, o STJ reforma. E, se o STJ não reformar, tente executar uma sentença de R$ 65 bilhões: é inexequível”, ponderou.
Os R$ 65 bilhões citados por Bandeira de Melo são relativos às verbas compensatórias negociadas pelo CNJ na repactuação, até o fim do ano passado. A intenção é fechar um dos maiores acordos de ressarcimento do mundo, com valores próximos a R$ 112 bilhões, incluindo as indenizações. Porém, alguns representantes do movimento dos atingidos calculam que o valor necessário para as reparações estaria em torno de R$ 200 bilhões.