Na primeira visita à Câmara como ministra da Saúde, Nísia Trindade esclareceu integrantes da Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher sobre o Programa Nacional de Equidade de Gênero, Raça e Valorização das Trabalhadoras no Sistema Único de Saúde (SUS). A reunião foi sugerida por duas parlamentares do PL – Coronel Fernanda (PL-MT) e Chris Tonietto (PL-RJ) – que questionaram a utilização de termos como “identidade de gênero” e “linguagem neutra” na portaria que institui o programa.
Na opinião da deputada Chis Tonietto, pela portaria, parece que os esforços do Ministério da Saúde estão sendo “direcionados para o campo ideológico”, uma vez que utilizaria “termos importados de ideologia eminentemente feminista”. Para a parlamentar fluminense, o órgão estaria na contramão das “verdadeiras necessidades” das mulheres.
“O que mais me preocupa, honestamente, é que o ministério parece estar caminhando na contramão do que deveria ser. Ou seja, o Ministério da Saúde deveria realmente se ocupar com o combate às enfermidades, às doenças, e a promoção do que, aí sim, nós chamamos de saúde pública, promoção do bem-estar social, psíquico, enfim, o aspecto integral da própria mulher”, argumentou.
Também para a deputada Coronel Fernanda “a maior questão” foi o ministério utilizar a portaria para, “de forma escondida”, propagar as questões de gênero e sexualidade. Para as duas colegas de partido, o órgão deveria se concentrar em problemas que afetam a saúde da mulher, como falta de medicamentos, de equipamentos para exames e a deficiência no acompanhamento pré-natal e pós-natal.
Nísia Trindade assegurou que o único objetivo da política proposta é combater a violência e o preconceito contra mulheres, levando em conta também a raça. Segundo a ministra, gênero e raça são pilares de todo o governo federal por serem determinantes nas desigualdades sociais que marcam a sociedade brasileira.
“Em quase todas as estatísticas da área da saúde, raça e gênero aparecem, pois são exatamente aquelas definidas como mulheres pretas e pardas as que apresentam o mais alto índice de mortalidade materna, as que apresentam o mais alto índice como vítimas de violência, seja violência doméstica, seja violência no trabalho. Portanto, nós não estamos falando de simples termos, são termos que carregam a desigualdade histórica da nossa sociedade”, explicou a minstra.
Violência e assédio
Um dos objetivos do programa de gênero e raça no SUS, de acordo com Nísia Trindade, é formar gestores para reduzir casos de violência e assédio de mulheres no trabalho. A ministra apresentou dados de pesquisa realiza pelo Instituto Patrícia Galvão, da Universidade de São Paulo, em que 76% das entrevistadas relataram já terem passado por um ou mais episódios de violência no ambiente de trabalho, tanto sexual quanto moral.
Especificamente no sistema público de saúde, segundo a ministra, estudo de 2015, realizado em parceria com o Conselho Federal de Enfermagem, mostrou que as mulheres respondem pela metade da força de trabalho. Na enfermagem, 84% são mulheres.
Com esse contingente de trabalhadoras, o impacto de questões de gênero na enfermagem também seria imenso, afirmou a ministra. Além de sofrerem assédio, como as demais profissionais, ainda sofreriam com condições inadequadas para repouso entre plantões, por exemplo. Na pandemia, as trabalhadoras da saúde também teriam sido as mais afetadas. No período, 34% perderam o emprego. Aquelas que não foram demitidas tiveram redução salarial de 44%, afirmou.
Origens do SUS
Para a deputada Ana Pimentel (PT-MG), o programa de equidade de gênero e raça apenas resgata o princípio do Sistema Único de Saúde previsto na Constituição brasileira, que prevê universalidade, equidade e integralidade no atendimento à população. A parlamentar ressaltou que essa abordagem nada tem a ver com ideologia, portanto.
“Nós estamos defendo o Sistema Único de Saúde que está nas suas origens, que é um sistema que olha para todos, é um sistema que entende que é fundamental trabalhar com a lógica e com o princípio da equidade. E isso é dizer que nós precisamos de um País para todos. É diferente de tratar de ideologia. Quando se abordam as desigualdades a partir da ideologia é que se está dizendo que algumas vidas valem menos”, disse.
Também para a deputada Silvye Alves (União-GO) a portaria não tem nada a ver com ideologia de gênero. Termo que, para a parlamentar, deveria ser esquecido. Na concepção de Silvye Alves, o programa trata somente de respeito às mulheres.
Em nome da Liderança do Governo, a deputada Ana Paula Lima (PT-SC) concordou que o termo gênero “está sendo utilizado de maneira equivocada nesse debate”. Conforme a deputada, o programa vai ajudar a resolver muitos dos problemas que afetam as mulheres, ao enfrentar a cultura do machismo. Ela afirmou ainda que não se trata de uma iniciativa nova, mas da continuidade de uma política iniciada em 2005, ainda no primeiro governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.