Representantes da sociedade civil defenderam nesta terça-feira (25) a aprovação da Medida Provisória 1164/23, que recria o Programa Bolsa Família, como um passo importante para assegurar a todos os brasileiros o direito a uma renda básica. O debate foi promovido pela comissão mista que analisa a medida provisória.
Eles sugeriram alterações na proposta e divergiram sobre o trecho que suspende empréstimos consignados para quem recebe o Benefício da Prestação Continuada (BPC).
O texto publicado no Diário Oficial da União no dia 2 de março estabelece o valor mínimo de R$ 600 para as famílias cadastradas no programa, mais R$ 150 por criança de até 6 anos e R$ 50 por dependente entre 7 e 18 anos ou gestante. São elegíveis famílias com renda de até R$ 218 por pessoa.
Presidente da Rede Brasileira de Renda Básica, Leandro Ferreira afirmou que o texto proposto pelo governo pode ser aprimorado para incorporar, na prática, diretrizes de uma renda básica. “O Bolsa Família pode ser concebido como um primeiro passo na direção da renda básica universal e incondicional”, disse.
Entre as alterações sugeridas por ele está a obrigatoriedade de atualizar os valores do Bolsa Família periodicamente e o impedimento de formação de fila na concessão do benefício. “Ninguém deve ficar sem o benefício por mais de 40 dias se estiver dentro dos critérios estabelecidos na futura lei”, afirmou.
Ele propôs ainda a suspensão imediata de bloqueios simplesmente porque o beneficiário não cumpriu as condicionantes. “Como é que pode alguém chegar no posto de saúde para tomar vacina, não ter vacina e ele ter o benefício cancelado por conta disso?”, acrescentou.
O novo Bolsa Família retoma o modelo original com a exigência de contrapartidas das famílias beneficiadas pelo programa, que voltarão a ter que comprovar a frequência escolar dos filhos e a manter atualizadas as cadernetas de vacinação da família inteira. Grávidas deverão fazer o acompanhamento pré-natal.
As contrapartidas deixaram de ser cobradas durante o governo de Jair Bolsonaro, que substituiu o Bolsa Família pelo Auxílio Brasil.
Proteção social
Aldaíza Sposati, representante do Conselho Federal de Serviço Social (CFESS), criticou o fato de os beneficiários do programa não terem participado da elaboração da medida provisória. Para ela, a proposta tem um caráter mais fiscal do que social. “Nós, assistentes sociais, temos sido convocados para ir às casas das pessoas verificar se o que elas dizem é de fato verdade”, disse.
Ela ressaltou ainda que a maioria dos 55 milhões de beneficiários do programa (67%) são mulheres, mães, pardas ou negras, e lamentou, por conta disso, o fato de algumas condicionantes do programa atingirem mais diretamente mulheres e crianças. “Quem está no Bolsa Família não é porque não trabalha. Ninguém vive sem trabalhar. Muitos dizem: cheguei para retirar o benefício e não tinha nada. Proteção social significa contar com algo”, acrescentou.
Vice-coordenador da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Penssan), Renato Carvalheira citou dados do Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar na Pandemia de Covid-19 no Brasil, segundo o qual 33 milhões de pessoas vivem em insegurança alimentar no País, podendo chegar a 125 milhões se considerada alguma insegurança alimentar. “A questão de renda tem um impacto grande na questão da fome. Quando mais recursos tem a familiar, a fome tende a diminuir”, disse. Segundo Carvalheira, a refeição que as pessoas mais pulam é o jantar. “As pessoas vão dormir com fome.”
A expectativa é que o parecer do relator, deputado Dr. Francisco (PT-PI), sobre as 257 emendas apresentadas à medida provisória, seja discutido e votado no dia 3 de maio. “Embora saibamos que a discussão sobre a renda básica já pode ter alguns gatilhos na medida provisória, precisamos considerar outras variáveis, como o novo marco fiscal, a reforma tributária, para que a gente possa aperfeiçoar o PPA e outros instrumentos orçamentários”, disse o relator.
Empréstimo consignado
Edison Costa, que preside a Associação Nacional dos Profissionais e Empresas Promotoras de Crédito e Correspondentes no País (Aneps), e o deputado Capitão Alberto Neto (PL-AM) defenderam mudanças na MP para voltar a permitir o empréstimo consignado a beneficiários do BPC.
“A suspensão do empréstimo consignado empurra o beneficiário do BPC para taxas dez vezes maiores, de 20 a 25%. Você não o proibiu de tomar empresto, fechou o melhor caminho”, disse Costa. “O público tem reclamado da retirada do BPC. Muitos alegam que precisavam de crédito e foram obriga a pegar com juros mais altos do que o consignado”, acrescentou o deputado.
Por outro lado, para Eutália Barbosa, representante do Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS), permitir que essa parcela da população comprometa 40% da renda com o sistema financeiro traz mais vulnerabilidade do que proteção. “Nós defendemos transferência de renda como uma alternativa de proteção social dentro de uma sociedade desigual. Não podemos misturar o debate do consignado com proteção social”, disse.
Renda básica
Em 2021, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que o Poder Executivo deverá implementar, conforme prevê a Lei Suplicy, programa de renda básica de cidadania para as pessoas em situação de extrema pobreza e pobreza, com renda per capita inferior a R$ 89 e R$ 178, respectivamente.
Pioneiro na defesa de programas sociais destinados a acabar com a miséria e a fome no País, o deputado estadual por São Paulo Eduardo Suplicy, que participou da audiência, destacou por que a renda básica de cidadania é ainda melhor do que o Bolsa Família. “Eliminamos qualquer burocracia em relação a quanto a pessoa ganha. Nesse sentido, a renda básica de cidadania vai elevar o grau de dignidade e liberdade real para todos”, disse Suplicy, autor de projeto sobre o tema em 1991.
A Lei Suplicy trata do pagamento de “benefício monetário” sem especificar valor. A decisão do STF também não trata disso, mas determina ao Poder Executivo que adote todas as medidas necessárias para a implementação da renda básica, inclusive mediante alteração do Plano Plurianual (PPA) e das leis orçamentárias.