Participantes do I Seminário dos Povos Originários no Congresso Nacional chamaram a atenção para o que classificam como uma nova estratégia para aprovar projetos que retiram direitos de povos indígenas e promovem retrocessos ambientais. Conforme ressaltou a conselheira da Comissão de Anistia Maíra Pankararu, tornou-se comum o emprego de expressões como “mineração sustável” e “uso sustável do solo e de recursos naturais em terras indígenas” em propostas que significam, segundo ela, a legalização do desmatamento ou de invasão de territórios tradicionais.
Maíra Pankararu, que também é advogada, ainda frisou que se trata de “ludibriação com palavras bonitas”, sem nunca consultar os povos afetados. A especialista lembrou que a Constituição de 1988 acabou com a tutela sobre indígenas e garantiu que sempre tomem parte nas decisões que os afetam.
A ativista indígena ainda reclamou que "esses projetos guardam a sanha desenvolvimentista”, como se as terras de povos tradicionais não fossem produtivas, "apesar de garantirem água limpa e ar puro para o Brasil e o mundo”. Nessa perspectiva, sustenta que “legislar é uma forma bonita de tentar matar” os povos indígenas.
Mesma opinião tem a presidente da Comissão da Amazônia e de Povos Originários e Tradicionais, deputada Célia Xakriabá (Psol-MG). Para a parlamentar, é urgente “superar o racismo da ausência” de indígenas em espaços de poder para acabar com essa política de morte.
“É um genocídio legislado, é quando se usa o poder da caneta para matar direitos. É muito triste, vocês não imaginam a nossa presença aqui, na responsabilidade enquanto parlamentar, quando nós vimos passar a emenda à medida provisória da flexibilização do desmatamento da Mata Atlântica, quando nós vimos passar aqui nessa Casa a emenda à medida provisória do direito de poluir do mercado de carbono. É como se convidassem a gente a assistir uma matança de direito”, disse.
Assim como Maíra Pankararu, a consultora do Programa de Política e Direito Socioambiental do Instituto Socioambiental (ISA) Adriana Ramos destacou o “grande número” de projetos que tentam transformar o que hoje é considerado desmatamento ilegal em legal. Para a consultora ambiental, é imperativo não aceitar que o Brasil assuma o compromisso de combater apenas o desatamento ilegal, “porque com uma palavra”, numa lei, ele pode se tornar legal.
Ainda com relação a projetos relativos a indígenas, a professora do Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP) Roberta Amanajás reforçou que toda proposta restritiva de direitos deve passar por consulta a esses povos. "Além de constar na Constituição, o direito à consulta é previsto em tratados internacionais de que o Brasil é signatário", realçou.
Diante dessa imposição legal, projetos como o (PL 490/07) que retoma a tese do chamado marco temporal deveriam passar por debate com as populações indígenas. Sem isso, na opinião da professora de Direito, a lei resultante não tem validade. Mesmo que seja aprovado, na opinião de Roberta Amanajás, o texto é inconstitucional.
"A Constituição de 1988 não atribui um marco de tempo para reconhecer o direito territorial. O que ela reconhece é o direito ao território como originário, e que compete hoje ao Estado brasileiro reconhecer. É um procedimento meramente administrativo. E esse procedimento já foi considerado constitucional pelo Supremo Tribunal Federal no caso da terra indígena Raposa Serra do Sol”, explicou.
Alianças entre povos
Os participantes do seminário também ressaltaram a importância de promover alianças entre as diferentes etnias indígenas e os demais povos tradicionais, como quilombolas e extrativistas. Assim como outros debatedores, o doutor em Linguística pela Universidade de Brasília (UnB) Joaquim Paulo de Lima Kaxinawá destacou a importância dessa união, inclusive, para eleger representantes no Congresso.
Segundo o intelectual indígena, os não indígenas só se lembram deles quando estão presentes. Por isso, considera fundamental eleger pelo menos dez parlamentares em 2026 para evitar perdas de direitos ainda mais profundas.