Médicos e pacientes querem a inclusão, no Sistema Único de Saúde (SUS), de terapias para a neuropatia óptica hereditária de Leber. A doença rara e ainda pouco conhecida, que pode levar à cegueira, foi tema de audiência na Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara dos Deputados nesta quinta-feira (4).
Mais conhecida como LHON, na sigla em inglês, essa neuropatia foi descrita inicialmente pelo oftalmologista alemão Theodor von Leber no início do século passado. É provocada por um erro genético no DNA mitocondrial materno transmitido aos filhos, que geralmente passam a sofrer perda abrupta da visão ainda jovens.
Os homens são os mais afetados pela neuropatia óptica hereditária de Leber. Álcool, tabagismo e estresse oxidativo (estado em que o corpo fica quando os níveis de antioxidantes não são altos o suficiente para compensar os efeitos nocivos dos radicais livres) são alguns dos agravantes que podem levar à cegueira total.
A doença não tem cura, mas a professora do Instituto Paulista de Medicina e do Instituto de Genética Ocular, Juliana Salum, citou recentes avanços terapêuticos para reduzir danos, sobretudo na fase inicial do problema.
“Existe estudo, como o da empresa GenSight Biologics, que desenvolveu um vetor viral buscando a não afecção do segundo olho e a recuperação rápida do olho recentemente acometido. Seria uma forma de tentar recuperar o olho por terapia gênica”, explicou. “Uma outra forma que tem sido analisada é o uso de antioxidantes com enzima Q10 e Idebenona via oral, como medicação para reduzir o dano e recuperar, um pouco, a via óptica”, acrescentou.
Registro
Também presentes na audiência, representantes da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias do SUS (Conitec) informaram que, até agora, não há terapias aprovadas nem solicitação de registro de medicamentos para a neuropatia óptica hereditária de Leber no Brasil.
O Instituto Reconvexo, criado para centralizar informações e pesquisas científicas sobre a doença, informou que o Idebenona já está aprovado nas agências sanitárias dos Estados Unidos e da União Europeia. O medicamento é importado no Brasil ao preço médio de R$ 800.
Relatos
Afetado pela neuropatia, Márcio Ferla descreveu uma série de problemas desde o diagnóstico até o tratamento. Segundo ele, os pacientes costumam “perambular” por hospitais e clínicas em busca do diagnóstico correto. Alguns exames genéticos podem custar até R$ 7 mil e não são cobertos por planos de saúde.
Médico e integrante da Associação de Familiares de LHON, Ruy Azevedo citou barreiras que enfrentou para o diagnóstico de um dos filhos. “Tivemos dificuldades para realizar o teste genético que define a condição do paciente. Além disso, o plano de saúde impunha obstáculos para liberar os exames fundamentais, que são a campimetria e o OCT [tomografia de coerência óptica]”, declarou. “Eu penso: 'poxa, e as pessoas que são usuárias do Sistema Único de Saúde?'. A gente precisa buscar o apoio na elaboração de políticas públicas. A luz é por meio da terapia gênica.”
Amparo psicológico
Os palestrantes também ressaltaram a necessidade de apoio psicológico às mães de filhos com neuropatia óptica hereditária de Leber, que vivem a angústia de se sentirem responsáveis pela doença. A explicação para esse fator hereditário é que todo material genético da mitocôndria do filho vem do lado materno.
No Brasil, a doença se tornou conhecida pelos esforços de Maria Odete Moschen, que lançou livro (“A trajetória de um sangue”) e incentivou estudos científicos para compreender a dinâmica dessa doença na família dela.
Um dos pesquisadores do caso Moschen, Rubens Belfort, da Sociedade Brasileira de Oftalmologia (SOB), pediu mais investimento público em ciência. Organizador da audiência na Câmara, o deputado Jorge Solla (PT-BA), foi na mesma linha.
“Precisamos criar melhores condições para pesquisa e conhecimento sobre a neuropatia de Leber. Foi comentada aqui a possibilidade de terapia gênica e, quem sabe, a partir de um processo como esse, a gente possa contribuir para a incorporação dessa terapia no SUS”, disse o parlamentar. “Além, obviamente, de aumentar o acesso ao diagnóstico para que os pacientes possam ser mais facilmente acompanhados.”
Jorge Solla também defendeu a inclusão desses pacientes no Benefício de Prestação Continuada (BPC).