Alterações legislativas, “matriz de indicadores” de políticas públicas e critérios rígidos de distribuição de recursos estão entre as sugestões apresentadas por especialistas em orçamento público para tentar superar as atuais distorções e polêmicas em torno das programações e execuções orçamentárias realizadas por meio das emendas de relator-geral.
O tema foi debatido em audiência da Comissão Mista de Orçamento nesta quinta-feira (11). Também conhecida pelo código RP9, a emenda de relator-geral é usada para ajustes técnicos e recomposições orçamentárias autorizadas e delimitadas no parecer preliminar da Lei Orçamentária Anual (LOA). A execução dessas emendas está liminarmente suspensa por decisão do Supremo Tribunal Federal, que acatou argumentos de três partidos políticos (Cidadania, PSB e Psol) sobre falta de transparência e uso político desses recursos por parte do governo federal. Um dos diretores da Consultoria de Orçamento e Fiscalização Financeira da Câmara, Eugênio Greggianin, avalia que, diante do crescimento do papel do Legislativo como agente de política pública nos últimos anos, são necessários novos parâmetros para orientar os parlamentares quanto às programações orçamentárias mais genéricas.
“Essa necessidade de convergência das transferências com as políticas públicas se torna muito importante. O caminho nos parece que é mapear as necessidades de políticas públicas em cada município – e isso é papel de órgão de governo – no sentido de poder desenvolver uma matriz de indicadores, de modo que haveria, com o tempo, a implantação de um banco de projetos contendo indicadores para subsidiar a decisão acerca das transferências. O parlamentar receberia um banco já mais completo, o que permitiria uma avaliação melhor das carências”.
Inclusão de parâmetros
Consultor de orçamento do Senado, Aritan Borges afirmou que atualmente há poucas normas para delimitar a atuação do relator-geral no processo de apreciação do orçamento. Ele defendeu a inclusão de parâmetros e critérios claros na resolução (1/06) do Congresso Nacional que trata do tema e, sobretudo, por meio de lei complementar já prevista na Constituição para regulamentar o orçamento de forma permanente. Em parecer prévio sobre as contas de 2020, o Tribunal de Contas da União (TCU) apontou falta de transparência e ausência de critérios de distribuição, uniformização dos procedimentos e monitoramento dos recursos oriundos das emendas de relator-geral. Secretário de macroavaliação governamental do TCU, Alessandro Caldeira admitiu estranheza com o aumento no volume de recursos autorizados por esse instrumento: R$ 21,8 bilhões em 2020 e R$ 16,8 bilhões 2021.
“Chama a atenção que um volume expressivo de despesa de custeio do governo federal esteja sendo sustentado por meio de emendas parlamentares. Ressalto aqui a questão da equidade que a Constituição confere à distribuição dos recursos das emendas individuais: critério este que não foi possível identificar no caso das emendas de relator. A gente verifica que alguns municípios receberam valor per capita bastante superior aos outros. Por si só, isso não é irregular, mas falta critério objetivo e transparente que permita a distribuição de recursos de forma justa”, explica.
PEC dos Precatórios
O fundador da Associação Contas Abertas, Gil Castelo Branco, percebeu valores atípicos de empenho orçamentário em outubro, sobretudo nos dias próximos à votação da PEC dos Precatórios na Câmara dos Deputados. Foram quase R$ 3 bilhões empenhados naquele mês, enquanto o maior valor mensal, até então, não tinha passado de R$ 1,9 bilhão. Só nos dias 28 e 29 de outubro, os empenhos chegaram a R$ 909 milhões, segundo Gil Castelo Branco.
“Os fatos saltam aos olhos. Acompanho orçamento público há quase 40 anos e nunca eu tinha visto, até então, um instrumento tão promíscuo no relacionamento entre Executivo e Legislativo como foi essa situação das emendas de relator”.
Gil Castelo Branco elogiou a decisão do STF de suspensão liminar das execuções orçamentárias das emendas de relator e defendeu soluções definitivas por meio de critérios mais rígidos na Lei de Diretrizes Orçamentárias ou em futura lei complementar. Ele também elogiou a ideia do banco de indicadores para orientar os parlamentares, como foi sugerido pela Consultoria de Orçamento.
Organizadora da audiência na Comissão Mista de Orçamento, a deputada Adriana Ventura (Novo-SP) vai apresentar as sugestões formalmente ao colegiado. A deputada leu uma nota pública de 40 entidades da sociedade civil contra a emenda de relator, chamada de “orçamento secreto”.
“A sociedade civil tem se manifestado com preocupação sobre esse tipo de emenda de relator, que não tem critério e não tem como se fiscalizar. E atualmente, com a recente decisão da ministra Rosa Weber, muitas obras estão paradas e a gente tem que discutir as soluções”.
O STF também referendou a decisão de Rosa de Weber de exigir a divulgação dos documentos que embasaram a distribuição de recursos por RP9 e providências para o registro das demandas de parlamentares em plataforma eletrônica e centralizada. Em entrevista ao programa Painel Eletrônico, da Radio Câmara, o líder do governo na CMO, Claudio Cajado (PP-BA), admitiu os problemas com as emendas de relator-geral.
“A partir de 2020, as emendas de relator passaram a ter uma abrangência muito grande, podendo fazer tudo. E, para mim, isso é uma distorção: eu achava que essa emenda de relator, em um momento, iria dar problema, e acabou dando", disse. Ele apontou que a medida tem como ponto positivo a possibilidade de ajuste da peça orçamentária. "Agora, temos de fazer não apenas a transparência das indicações e das execuções, como limitar um pouco mais emendas de relator. Com isso, não perderemos essa ferramenta importante na execução e na elaboração orçamentárias e também vamos corrigir os erros."
Segundo Cajado, o Congresso precisa resolver com urgência os empenhos que hoje estão paralisados, por exemplo através de novos projetos que transformem as emendas de relator em emendas de bancadas estaduais.