O procurador da República George Lodder e delegados que investigam crimes cibernéticos defenderam, nesta quinta-feira (18), o acesso facilitado a dados de plataformas digitais, em particular o número de endereços de IP (Internet Protocol).
"As plataformas negam informações para autoridades brasileiras e não comunicam crimes a que têm acesso", lamentou George Lodder, membro do Grupo de Apoio sobre Criminalidade Cibernética do Ministério Público Federal (MPF). A declaração foi dada em seminário da Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática da Câmara dos Deputados.
O deputado Luis Miranda (DEM-DF), que coordenou o debate, ressaltou o crescimento dos crimes cibernéticos em número e complexidade. "Estamos vivendo um dos piores momentos no mundo dos crimes cibernéticos. Cresceu demais. Não é apenas a tentativa de tomar dinheiro das vítimas on-line ou sequestro de informações. Foram agora para um nível muito mais perigoso que são os crimes antidemocráticos", analisou.
Provas
Vários debatedores defenderam a ratificação da Convenção sobre o Crime Cibernético celebrada em Budapeste (PDL 255/21). Representante da Associação dos Delegados de Polícia Civil do Distrito Federal (Adepol-DF), a delegada Regilene Siqueira Rozal apontou para a dificuldade de preservar provas no ambiente cibernético.
"A gente usa print de telas de celular, mas são passíveis de manipulação. A legislação precisa definir como produzir provas e levá-las ao processo", afirmou.
A delegada também considera necessário aprimorar a regulamentação sobre o fornecimento de dados. "Provedores de conexão pequenos não têm critério para cadastrar usuários, que não são localizados", relatou.
O delegado Dario Taciano de Freitas Junior, da Delegacia Especial de Repressão aos Crimes Cibernéticos da Polícia Civil do Distrito Federal, afirmou que a necessidade de ordem judicial para conseguir o endereço de IP tem sobrecarregado o Ministério Público Federal e o Judiciário. Ele defendeu a possibilidade de obtenção do IP por ofício da autoridade policial para evitar a demora nas investigações. "Há situações de emergência, como no caso de sequestro", argumentou.
O delegado ainda pediu mudanças na legislação para permitir a participação de especialistas para cooperar com a polícia e a possibilidade de utilizar equipamentos apreendidos no combate ao crime cibernético.
O gerente de Relacionamento com Autoridades de Investigação e Assuntos Digitais da Microsoft, Aristides Moura, reconheceu as dificuldades de atender pedidos de investigações criminais. "Nós da indústria de tecnologia ficamos muitas vezes numa situação complicada quando vemos que precisamos responder às determinações que foram feitas pelas autoridades, mas acabamos não tendo instrumentos que garantam a segurança para que o façamos. Se um juiz entender que a solicitação foi feita de forma irregular, isso vai invalidar a investigação", ponderou.
Desinformação
O diretor-geral do Instituto Liberdade Digital, Diogo Rais, alertou para o risco da desinformação e divulgação de notícias falsas. "Espalhar fake news não é exercer a liberdade de expressão. Pode mudar o destino político", declarou.
No entanto, Rais disse ser necessário distinguir quem compartilha notícias falsas de escritórios dedicados à prática. "Devemos agir como na lei de drogas, que distingue usuário de traficante", comparou.
Já o diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro (ITS Rio), Carlos Affonso Souza, disse estar preocupado com a preservação dos dados pessoais e criticou as propostas legislativas que saíram do relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Pandemia, aprovado no mês passado no Senado. "As propostas podem piorar a desinformação", alertou.
Para ele, o crime de criação e divulgação de notícia falsa deveria ter dolo e especificar qual dano foi provocado.
Pirataria
O consultor da Motion Picture Association (MPA) Ygor Valerio também defendeu a necessidade de legislação para orientar as investigações sobre crimes cibernéticos. "São muitos casos que carecem de orientação legislativa, desde o telefone bloqueado encontrado na cena do crime até o pedido de busca e apreensão de arquivos de pessoas jurídicas."
O diretor jurídico-regulatório da Associação Brasileira de Televisão por Assinatura (ABTA), Jonas Antunes Couto, reclamou das perdas da indústria audiovisual com o aumento da pirataria, que calcula em R$ 10 bilhões por ano. "Os brasileiros precisam ser de alguma forma protegidos pelo Parlamento brasileiro. O consumidor acredita que se dá bem acessando produtos desta forma, mas corre o risco de baixar softwares maliciosos capazes de minerar bitcoin e cometer ataques", informou.
Crianças e adolescentes
O diretor de Assuntos Parlamentares da Associação Nacional dos Peritos Criminais Federais (APCF), Evandro Mário Lorens, propôs que a sociedade se mobilize na prevenção de crimes digitais para evitar danos permanentes na vida de crianças e adolescentes. Para ele, é necessário compartilhar as responsabilidades da família e da escola nessa abordagem preventiva.
"Crianças e adolescentes são mais vulneráveis e não entendem a implicação da exposição excessiva nos meios digitais. Falta maturidade para tomar decisões sobre a privacidade e compartilhamento de dados", observou.
O presidente da SaferNet Brasil, Thiago Tavares, destacou a importância da cooperação internacional, já que muitas páginas de pornografia infantil são hospedadas em outros países.
A Safernet mantém canal de denúncias que são enviadas ao Ministério Público Federal. Nos últimos 12 anos, foram recebidas 3,9 milhões de denúncias anônimas, com 71 mil páginas envolvidas em crimes cibernéticas. "Informações já temos muitas, mas falta investimento e pessoal", disse Thiago Tavares.
Já o membro da Coalizão Direitos na Rede, Rafael Zanatta, notou que falta lei específica sobre tratamento e fluxo de dados em investigações criminais. "Isso impede a construção de confiança mínima, até mesmo para acordos de cooperação que o Ministério Público Federal tenta obter com a Europol", lamentou.
Zanatta também disse ser necessário preservar direitos fundamentais durante as investigações. "São crimes moralmente repulsivos, mas não podem servir para tática agressiva de coleta de dados massiva sem determinação de suspeitos", comentou.