Médicos, advogados e professores reclamaram nesta terça-feira (14), durante seminário na Câmara dos Deputados, da falta de políticas públicas efetivas para as pessoas com transtorno do espectro autista. As principais carências estão nas áreas de saúde, educação e mercado de trabalho, mesmo diante da lei federal (Lei 12.764/12) que, desde 2012, estendeu aos autistas vários direitos reconhecidos às pessoas com deficiência.
Outra lei mais recente (Lei 13.861/19) obriga o IBGE a incluir perguntas sobre o autismo no atual censo demográfico exatamente em busca de orientação para políticas públicas e para a descoberta do número real de autistas no País, hoje estimado em cerca de 2 milhões de pessoas.
O debate ocorreu na Comissão de Defesa dos Direitos das Pessoas com Deficiência e reuniu parte dos autores do livro “Legislação, Jurisprudência e Políticas Públicas”, coordenado por especialistas da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).
Na área de saúde, o advogado Edilson Barbosa, da OAB do Distrito Federal, reclamou da falta de centros de referência para atendimento especializado aos autistas em quase todos os estados brasileiros.
“Temos várias crianças, adolescentes e adultos que não têm o laudo porque, no sistema de saúde, não temos os profissionais prontos para fazer esse diagnóstico e os tratamentos. Mesmo com plano de saúde, há essa dificuldade de ter as terapias. Então, precisamos dos centros de referência”, afirmou.
Também houve críticas à Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) por manter um rol muito limitado de terapias, o que, segundo os especialistas, alimenta a recusa dos planos de saúde no atendimento das pessoas com autismo.
Médico de hospitais pediátricos em Miami (EUA), o neuropediatra Carlos Gadia informou que, nos Estados Unidos, todos os tratamentos cientificamente reconhecidos como eficazes passaram a ter cobertura dos planos de saúde após ações judiciais.
Falta de fiscalização
Advogada e fundadora do Coletivo Autimais, Fabiani Borges apontou falta de fiscalização do que chamou de “messias e vendilhões de cura” que se aproveitam do drama das famílias para a propagação de “pseudociências e procedimentos antiéticos”.
“Nós vimos, diuturnamente, a venda ozonioterapia pela via retal, a venda de óleos essenciais em sistema de esquema de pirâmide, sessões de câmara hiperbárica, suplementos vitamínicos e MMS, o famoso ‘mineral miracle solution’, a solução mineral milagrosa, que nada mais é do que água sanitária aplicada via enema retal ou ingerida por crianças. São práticas já banidas mundialmente ou já comprovadas como ineficazes, mas que continuam a ser vendidas no País”, alertou.
Educação
Quanto à educação das pessoas com autismo, a principal carência está na efetiva inclusão dos alunos. Psicopedagoga e neurocientista, a professora Viviani Guimarães disse que o foco deve estar em um processo de aprendizagem que identifique e reforce as potencialidades de cada autista.
“A permanência [em sala de aula] foi garantida pela Lei Brasileira de Inclusão (Lei 13.146/15), mas ela não significa inclusão. Só existe inclusão se há aprendizagem, e é isso que devemos buscar na nossa sala de aula”, disse.
Uma das organizadoras do seminário, a presidente da Comissão de Defesa dos Direitos das Pessoas com Deficiência, a deputada Rejane Dias (PT-PI) aumentou o coro dos que defendem a efetivação de políticas públicas de saúde e educação já previstas em lei.
“Ainda temos grandes desafios para a inserção deles no ambiente escolar. E vejo que essa questão da batalha judicial não acontece só no âmbito do Brasil: nos Estados Unidos, para acesso aos tratamentos dos planos de saúde, também houve uma longa batalha judicial”, afirmou a deputada.
Mercado de trabalho
Os especialistas também apontaram dificuldades de inserção dos autistas no mercado de trabalho. Representante da OAB de Minas Gerais, o advogado Washington Lana citou dados da ONU para lembrar que, das cerca de 70 milhões de pessoas com autismo no mundo, 85% estão desempregadas e 70% sofrem de depressão e ansiedade.
O Brasil não tem números oficiais com esses dados, mas, diante da evidência diária, Washington Lana defendeu a aprovação de um projeto de lei (PL 1259/21) que concede benefício tributário a empresas que empregam autistas.
Fotógrafo e escritor de livros infantis, Nicolas Brito tem 22 anos de idade e se mostrou como exemplo de uma pessoa com autismo devidamente inserida no cotidiano da família e da sociedade.
“Desde criança, eu fui bastante estimulado pelos meus pais para conseguir me comunicar com as pessoas. E, desde então, comecei a minha carreira de escritor, com esse livro aqui: ‘Ivana e a cura para o preconceito’. E outra coisa muito importante que eu também queria falar para vocês: não fiquem comparando as pessoas com autismo porque cada autista é único. Nem todo ser humano é autista, mas todo autista é ser humano”, afirmou.
Esperança
A advogada goiana Maira Tomo resumiu a esperança das famílias quanto a bons resultados de políticas públicas de saúde e educação dirigidas a pessoas com autismo. “O autismo não tem cura, mas tem tratamento e é aí que travamos uma verdadeira batalha contra o tempo. Espera-se, dia após dia, que daquele olhar distante nasça um contato visual; que daquele insistente silêncio ou daqueles gritos descontrolados surjam uma única palavrinha; que daquela aparente timidez nasça o brincar e o interesse por outras pessoas para que essa criança cresça, se desenvolva e se torne um adulto independente e produtivo.”
O seminário na Câmara foi realizado em parceria com Comissão de Defesa dos Direitos da Pessoa com Autismo da OAB, presidida pela advogada Marlla Mendes.