No ano que vem, as contas públicas podem ter superávit primário de até R$ 41,9 bilhões, quebrando uma trajetória de déficit desde 2014. A projeção foi feita pelo diretor da Secretaria de Macroavaliação Governamental do Tribunal de Contas da União (TCU), Joaquim Ramalho de Albuquerque, em audiência pública da Comissão Mista de Orçamento (CMO). No projeto de lei orçamentária de 2022 (PLN 19/21), a projeção é de déficit primário R$ 49,6 bilhões. No entanto, as projeções oficiais atualizadas indicam a possibilidade de que o Produto Interno Bruto (PIB) fique R$ 141,6 bilhões acima, e a Receita Primária Líquida seja R$ 91,5 bilhões superior aos valores no texto original do Poder Executivo.
Os deputados Hildo Rocha (MDB-MA) e Bosco Costa (PL-SE) demonstraram preocupação com a gestão da dívida. Rocha, que propôs o debate, acusou o governo de irresponsabilidade na emissão de títulos da dívida pública. Ele é relator do Projeto de Lei do Congresso Nacional (PLN) 9/21, que autoriza crédito suplementar de R$ 164 bilhões a partir da emissão de títulos do Tesouro. "Esses recursos não seriam necessários tendo em vista o excesso de arrecadação", comentou. "Se tivéssemos autorizado a contração de dívida em R$ 164 bilhões, iríamos pagar algo em torno de R$ 19 bilhões em juros em função desta dívida." Ele calcula que o dinheiro a ser pago com esses juros poderia ser utilizado na construção de 400 mil casas populares.
Hildo Rocha também criticou o Banco Central por não comparecer na audiência pública. "Deu uma desculpa esfarrapada. Como que o Banco Central não é culpado pela dívida se vive aumentando os juros? Ao aumentar os juros, aumenta a dívida pública e alguém está ganhando com isso. Claro que não é o povo", declarou.
Bosco Costa defendeu uma auditoria da dívida. "Precisamos cuidar da dívida pública. Fui prefeito e acho muito grave quando o município se endivida demais sem pensar no futuro ou nos cidadãos que virão."
Riscos
O pagamento de juros e amortizações da dívida somam R$ 2,471 trilhões, o equivalente a 53,5% do Orçamento do ano que vem. Para arcar com essas despesas serão emitidos R$ 2,334 trilhões em operações de crédito. No entanto, apenas R$ 1,8 bilhão desse dinheiro será destinado para investimentos. Trata-se de menos de 1% do destinado a gastos com amortização, de R$ 1,885 trilhão.
O diretor do TCU observa que a crise provocada pela pandemia gerou gastos de R$ 700 bilhões entre abril de 2020 e abril de 2021, enquanto o PIB teve um recuo de 4,1% no ano passado e o pagamento de tributos foi adiado. Segundo ele, a pressão é compensada com outros recursos, como a devolução de empréstimos do BNDES e outros bancos federais ao Tesouro, o resultado do Banco Central e desvinculações de receitas. Ainda é possível um ajuste pela subconta da dívida que gera outras receitas. "Existe um colchão equivalente a R$ 1 trilhão que permitirá que o Tesouro não fique refém dos compradores de títulos", disse.
Desde junho de 2015, há uma tendência de reduzir o custo acumulado de títulos e ao mesmo tempo diminuir o prazo médio de vencimentos. "O principal fator que interferiu nisso são os resultados do teto de gastos", apontou.
No entanto, o diretor do TCU alertou para a ausência de limites para a dívida pública da União. Outros riscos são o impacto das demandas judiciais de precatórios; a influência das políticas monetária e cambial na política fiscal e de administração da dívida; os programas de recuperação fiscal; as garantias da União a dívidas de estados e municípios; e operações heterodoxas nos limites da Lei de Responsabilidade Fiscal.
Sem limite
Representantes da sociedade civil também questionaram a falta de limites e o crescimento descontrolado no endividamento público. "A dívida está fora do teto de gastos e tem servido para alimentar os mecanismos financeiros, que geram dívida sem contrapartida", acusou a representante da Auditoria Cidadã, Maria Lucia Fattorelli. Ela afirmou que em poucos meses de 2020, no período da pandemia, o Banco Central destinou quase R$ 5,8 trilhões em medidas para salvaguardar a estabilidade financeira, com liberação de liquidez, liberação de capital e dispensa de provisionamento por repactuação.
Maria Lucia Fattorelli salientou que a dívida interna federal cresceu mesmo no período em que o governo federal teve superávit primário. Entre 1995 e 2015, o endividamento público saltou de R$ 86 bilhões para quase R$ 4 trilhões. "Quanto mais pagamos mais devemos. Se estivéssemos realmente amortizando a dívida, esta dívida teria sido paga várias vezes", criticou.
Para o representante da Associação Brasileira pela Economia (ABEFC), Eduardo Brasileiro, é necessário utilizar a dívida pública para construir políticas sociais e coletivas. "A maior parte da dívida pública é resultado das altas taxas de juros."
O representante do Observatório de Finanças da Comissão Brasileira Justiça e Paz da CNBB, Rodrigo Vieira de Avila, afirmou que a dívida não é utilizada para financiar as áreas sociais. "O endividamento público não tem servido para financiar o País, mas para subtrair recursos das áreas sociais", disse. Ele criticou a metodologia do cálculo do déficit primário, que deixa de fora receitas que poderiam ser utilizadas em gastos sociais, como lucros do Banco Central e remuneração da conta única e recebimento de dívidas de estados e municípios. "De 2014 a 2020, outras contas do Orçamento federal destinaram R$ 1,810 trilhão para pagamento da dívida", citou.
Avila defendeu a auditoria da dívida e acusou o Tesouro de manter o sigilo sobre os detentores dos títulos. "São divulgados apenas os grupos econômicos", comentou. Segundo dados do Tesouro, quase 43% dos títulos pertencem a bancos nacionais e estrangeiros, 19% a fundos de investimentos e 18% da Previdência.
Reponsabilidade
O subsecretário da Dívida Pública da Secretaria do Tesouro Nacional do Ministério da Economia, Otávio Ladeira de Medeiros, rebateu as críticas à gestão da dívida. Ele afirmou que as normas de sigilo bancário protegem os dados dos detentores de títulos públicos e notou que R$ 105,4 bilhões dos recursos gerados com a emissão se destinam à Previdência Social.
Medeiros explica o nível de endividamento atual pelos déficits primários recorrentes desde 2014. "Como a dívida não pode ser crescente? Somos nós que tomamos decisões incorretas ao longo do tempo. Refinanciamos o principal, os juros e agregamos mais. É mais perverso quando pensamos uma década inteira. Estamos jogando despesas, gastos correntes do cidadão de hoje, para serem pagos pelo cidadão do futuro que nem nasceu."