"As vítimas, por falta de apoio por parte da Justiça, guardam silêncio por anos e, quando denunciam, vivem sob constante medo." A declaração da atriz, ativista e sobrevivente de violência doméstica Cristiane Machado foi feita nesta terça-feira (22) durante audiência pública do grupo de trabalho da Câmara que analisa o Projeto de Lei 3890/20, que institui o Estatuto da Vítima.
“Eu tive muito medo de denunciar — eu, uma atriz branca, de classe média, recém-casada com um ex-diplomata branco de alto poder aquisitivo. Vivi minha primeira violência com quatro meses de casada. Eu, como figura pública, tive um duplo medo. Como é que eu iria tornar isso público?”, lembra.
A fundadora e presidente do Movimento Infância Livre de Abuso, Vanessa Lima, afirmou que, por causa da falta de preparo dos agentes públicos, muitas vezes as vítimas se calam, aumentando a impunidade dos agressores e a subnotificação dos casos de violência, principalmente sexual.
“O que nós precisamos é que o estatuto proteja a vítima, que criminalize o agressor e não desmoralize o agredido. Porque hoje o que nós vemos e temos é a vítima sendo julgada por tudo e por todos. Isso culmina com a minimização de culpa do agressor, quando ele na verdade é culpado e essa culpa recai completamente sobre a vítima”.
Voz às vítimas
A presidente do grupo de trabalho, deputada Tia Eron (Republicanos-BA), afirmou que o objetivo do Estatuto é justamente dar voz às vítimas, que atualmente são vistas apenas como parte do processo penal e não como cidadãos que devem ter seus direitos respeitados.
“A ideia do grupo de trabalho é chocar, é mostrar a realidade desse pano de fundo que ninguém quer ver exatamente por conta do que está em voga talvez, o tão cantado mimimi, o vitimismo, que aqui se descarta completamente. Esse grupo de trabalho também está atento a essa questão”, garante.
Já o advogado de resolução de conflitos Pedro Gomes destacou que a vítima precisa ter garantido o direito a uma informação de qualidade que possa ser compreendida por ela durante e após o processo.
Discriminação
Para a representante da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) de São Paulo, Priscila dos Santos, o estatuto só alcançará o efeito esperado se houver uma mudança cultural dentro das instituições que tendem a reproduzir a discriminação da sociedade com determinados grupos sociais.
“Nós estamos falando de problemas muito sérios, que vêm das estruturas sociais, e nós não vamos conseguir rompê-los se não estabelecermos projetos de capacitação histórica no País. Colocar a questão racial no cerne do problema, a questão de gênero. A interpretação dele e as discussões a partir dele precisam ser feitas colocando como ponto central disso tudo gênero, raça e orientação e identidade de gênero, senão nós não vamos avançar de fato”, afirma.
Sigilo
A promotora de Justiça do Distrito Federal Jaqueline Ferreira alertou que é preciso garantir no estatuto o sigilo dos dados das vítimas.
“[Sigilo do] telefone, endereço, e-mail, isso é de extrema importância. Uma vítima que não tem resguardada sua segurança não tem proteção, ela não se sente segura para denunciar, para participar de um processo. E como a gente consegue uma condenação sem a vítima?”, pondera.