O grupo de trabalho da Câmara dos Deputados que analisa a criação do Estatuto da Vítima (PL 3890/20) adiou para a próxima terça-feira (29) a discussão e a votação do parecer do relator, deputado Gilberto Nascimento (PSC-SP), que sugere um substitutivo. O adiamento decorre de um pedido de vista do autor do projeto, deputado Rui Falcão (PT-SP), que pretende analisar as alterações com mais tempo.
No parecer, o relator mantém a ideia principal do projeto, que é criar um microssistema de proteção especifico para vítimas – incluindo estrangeiros – de crimes, desastres naturais ou epidemias, mas propõe alterações, algumas delas aproveitando partes do PL 5230/20, que tramita apensado. Esse outro projeto, de autoria do deputado Eduardo da Fonte (PP-PE), cria o Estatuto em Defesa da Vítima.
Assim como o PL 3890/20, o substitutivo assegura às vítimas direito à orientação, à defesa, à proteção, à assistência médica e social e a tratamento profissional individualizado e não discriminatório, além de prever medidas para evitar atendimentos que gerem novas violações à sua dignidade, situação conhecida como revimitização ou vitimização secundária.
O texto protege familiares em caso de morte ou desaparecimento da vítima, desde que esses não sejam os responsáveis pelos fatos, e prevê ainda medidas específicas para o atendimento de pessoas em situação de vulnerabilidade por conta de idade, estado de saúde, deficiência ou dano causado.
“Já é hora de se lançar um olhar diferenciado para a vítima no Brasil. A vítima é mais do que mero sujeito passivo da infração – é sujeito de direitos”, diz o parecer lido pelo relator. “Os projetos elencam medidas para garantir a segurança, resguardar a intimidade e evitar intimidação e represálias às vítimas”, prossegue o texto.
Dados pessoais
Entre as alterações incluídas está a que pretende aumentar a proteção de dados pessoais das vítimas. O novo texto desobriga entidades privadas que prestem serviço de apoio a vítimas de crimes de compartilhar com a polícia ou o Ministério Público os dados obtidos. O substitutivo também define como regra o sigilo dos dados pessoais da vítima em sede policial e judicial. Atualmente, cabe ao magistrado decidir sobre esses sigilos.
“Em alguns casos, os criminosos têm acesso a informações sobre a vítima nos autos do inquérito ou do processo e passam a persegui-las e a intimidá-las”, diz o parece do relator.
Revitimização
Para impedir situações constrangedoras e ofensivas no curso da investigação criminal e do processo penal, o substitutivo estabelece que a vítima será ouvida apenas uma vez, individualmente, em ambiente informal e reservado e, preferencialmente, por videoconferência ou teleconferência. Prevê ainda que eventual exame médico ou psicológico seja realizado também apenas uma vez e o mais rápido possível.
Nascimento lembrou que diversas normas brasileiras, como a Lei Maria da Penha e a Lei Mariana Ferrer, assim como internacionais, já contêm dispositivos voltados a proteger e a evitar novos constrangimentos às vítimas durante o processo judicial.
Processo penal
Ainda quanto ao processo penal e à investigação criminal, o substitutivo garante à vítima, nos casos de crime doloso contra a vida, o direito de se dirigir diretamente ao júri para proferir depoimento pessoal, exceto quando esse depoimento representar risco à sua segurança.
Capacitação
O novo texto também reforça a parte do projeto que trata da capacitação de agentes públicos para aumentar a consciência desses em relação às necessidades das vítimas. A proposta inclui, em escolas e cursos de formação, conteúdos voltados à prevenção da violência institucional contra vítimas.
“Tivemos a preocupação de combater a violência institucional no seu cerne, ou seja, capacitando agentes públicos para que não submetam a vítima a procedimentos que a revitimizam e potencializam sua dor e a estigmatização”, diz o parecer.
Fundo de assistência
Foi mantido no substitutivo o direito da vítima de receber indenização por danos materiais, morais e psicológicos causados pelo agente do crime ou pela omissão do poder público e de ser ressarcida pelas despesas efetuadas em razão de procedimentos ou processos criminais.
No entanto, em relação à reparação de vítimas de crimes sexuais e de calamidades públicas, o novo texto opta por um caminho diferente do projeto principal e exclui a criação do Fundo Nacional de Custeio dos Serviços de Apoio e Projetos dos Ministério Públicos Estaduais, que seria alimentado com até 0,5% das receitas de tributos de estados e até 0,1% das receitas obtidas pela União.
“Evitamos propor a criação de um novo fundo público, em observância à proibição prevista no texto constitucional. Em sua substituição, propomos a destinação de recursos do Fundo Penitenciário Nacional e do Fundo Nacional para Calamidades Públicas, Proteção e Defesa Civil (Funcap) para a referida finalidade”, diz o parecer.
O relator, por fim, sugere que, ao analisar o Estatuto da Vítima, a Câmara dos Deputados considere cerca de 30 projetos em tramitação na Casa que tratam de temas relacionados a vítimas.
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