Em audiência pública na Câmara dos Deputados nesta sexta-feira (25), a servidora do Ministério da Saúde Clariça Soares alegou problemas técnico-administrativos da pasta para justificar a suspensão, em diversos estados do País, do fornecimento de medicamentos de quimioterapia oral durante alguns meses de 2021.
Ouvida pela comissão especial da Câmara que acompanha ações de combate ao câncer no Brasil, Clariça, que é coordenadora-geral do Componente Especializado da Assistência Farmacêutica, do Departamento de Assistência Farmacêutica e Insumos Estratégicos do ministério, explicou que a compra centralizada e a distribuição aos estados dos fármacos Dasatinibe, Imatinibe e Nilotinibe – usados no tratamento da Leucemia Mieloide Crônica (LMC) e da Leucemia Linfoide Aguda (LLA) – acabaram suspensas em 2021 por conta de revisões contratuais e de exigências do processo licitatório. A representante da pasta, no entanto, negou ter havido falha de planejamento.
De acordo com Clariça, os laboratórios que produzem com exclusividade o Dasatinibe e o Nilotinibe solicitaram em 2021 revisão dos preços pagos pelo Executivo pelos produtos. Nesses casos, por serem medicamentos exclusivos do fabricante, os contratos podem ser firmados sem licitação.
“Durante essa renegociação, um dos laboratórios, por conta própria, suspendeu as entregas”, disse a coordenadora, citando o exemplo do Nilotinibe. "Porém, há uma série de trâmites burocráticos que levam tempo: precisamos de parecer jurídico e de análise de viabilidade econômica, a fim de não gerar ônus ao Estado”, explicou.
No caso do Dasatinibe, segundo ela, foram necessárias várias reuniões até a definição do novo preço. “O laboratório apresentou um reajuste muito acima do esperado pelo ministério.” Por outro lado, as falhas no fornecimento do Imatinibe, informou Clariça, foram motivadas por atrasos no processo licitatório no fim do ano passado.
Em todos os casos, segundo o Ministério da Saúde, a compra e a distribuição dos medicamentos já foram normalizadas. Mesmo assim, ao reconhecer o prejuízo causado aos pacientes, a representante da pasta afirmou que o governo vem adotando ações para prevenir novas intercorrências.
“Criamos uma comissão externa para identificar antecipadamente quais medicamentos podem ter o fornecimento interrompido”, afirmou Clariça.
Outra ação, adiantou ela, será desenvolver painéis on-line para permitir o acompanhamento em tempo real dos processos de compra e distribuição e dos estoques desses medicamentos.
Transparência
Idealizador do debate, o presidente da comissão especial, deputado Weliton Prado (Pros-MG), afirmou ser fundamental aumentar a transparência de todo o processo.
“Muitos pacientes vêm sofrendo com a falta de medicamentos há algum tempo. A primeira cobrança que fizemos foi em abril 2020, e vemos que o problema permanece até hoje em 11 estados e no Distrito Federal”, observou. “Esses medicamentos são vitais, e a falta deles significa um sentença de morte para pacientes com câncer”, acrescentou.
Importância dos medicamentos
Também foram ouvidos na audiência pública representantes da Associação Brasileira de Linfoma e Leucemia (Abrale); da Associação Brasileira de Hematologia, Hemoterapia e Terapia Celular (ABHH); e do Instituto Vencer o Câncer (IVOC). Eles ressaltaram os ganhos que os quimioterápicos via oral trouxeram para pacientes com LMC e LLA.
“A Leucemia Mieloide Crônica é uma doença incurável, mas controlável. Esses remédios revolucionaram o tratamento dessa enfermidade. Come eles, a sobrevida do paciente passa a ser praticamente igual a quem não tem leucemia”, declarou José Francisco Marques Júnior, médico hematologista e presidente da ABHH.
Médico hematologista, Breno de Gusmão destacou o impacto da falta desses medicamentos na sobrevida de pacientes. “É um tipo de remédio que revolucionou e mudou a história de uma doença que começa lentamente, porém tem uma alta taxa de transformação para leucemias agudas, as quais, em muitos casos, levam a transplantes ou a óbito com mais frequência”, afirmou.
Por sua vez, a médica sanitarista e diretora-executiva da Abrale, Catherine Moura, criticou a falta de transparência do Ministério da Saúde durante a falta de abastecimento dos medicamentos e relatou tentativas frustradas de contato com a ouvidoria do SUS desde agosto de 2021.
"A reposta só veio em fevereiro de 2022. Demorou muito. Os pacientes ficaram durante todo esse período nas sombras, sem qualquer informação sobre o que estava ocorrendo”, comentou. De acordo com ela, 366 cidadãos relataram dificuldades de acesso aos medicamentos. "Toda vida importa, e cada uma tem valor inestimável”, frisou Catherine.