Especialistas denunciaram, nesta quinta-feira (12), a falta de políticas públicas e de orçamento para o combate à exploração sexual de crianças e adolescentes. O tema foi discutido na Câmara dos Deputados, em audiência pública promovida pela Comissão de Direitos Humanos e Minorias.
O debate ocorreu em alusão ao Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, 18 de maio. A data foi instituída pela Lei 9.970/00 para lembrar o assassinato da menina Araceli Crespo, sequestrada, violentada e morta em 1973, aos 8 anos de idade.
O presidente do Conselho Nacional dos Direitos de Crianças e Adolescentes (Conanda), Diego Alves, afirmou que o governo federal deixou de implementar o Plano Nacional de Enfrentamento da Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes, aprovado pelo Conanda em 2000. Ele destacou a importância da educação sexual para a compreensão das situações de abuso, o que pode levar as crianças a prevenir, evitar e reportar esses casos. Além disso, defendeu a garantia, nos orçamentos da União, dos estados e dos municípios, de recursos para a oferta de serviços de atendimento e para campanhas de prevenção.
Diego citou levantamento feito pelo Unicef e pelo Ipea, segundo o qual o Brasil, entre 2016 e 2019, destinou em média apenas 3,2% dos recursos públicos federais a crianças e adolescentes. “Isso está muito longe de assegurar o que a Constituição preconiza: a criança como prioridade absoluta”, lamentou.
Dificuldade de denúncia
Especialista em Proteção de Crianças e Adolescentes do Unicef Brasil, Luiza Teixeira ressaltou que o quadro de violações aumentou com o isolamento decorrente da pandemia de Covid-19 apesar da diminuição das notificações de violência sexual contra meninos e meninas em 2020.
Segundo ela, esse quadro evidencia a dificuldade de se denunciar os casos. “Isso ocorre em virtude de diversos fatores, como a naturalização da violência sexual contra a criança e o adolescente, o desconhecimento do que constitui o crime, a dificuldade de identificar seus sinais, a falta de credibilidade dos canais de denúncia, entre outros”, elencou.
Coordenadora da Comissão Justiça e Paz da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), a Irmã Henriqueta Cavalcante acrescentou a miséria a esses fatores. De acordo com ela, famílias de baixa renda, em extrema situação de vulnerabilidade social, são as maiores vítimas. “Nos rios do Pará, crianças são exploradas sexualmente em balsas em troca de um pedaço de pão”, afirmou.
A religiosa destacou que a expansão da fome no País leva ao aumento da exploração sexual e considerou “inadmissível” o desmonte das políticas públicas nos últimos anos. Ela apontou ainda a ineficácia da rede de proteção, com falta de programas de atenção e acompanhamento para as vítimas desse tipo de crime.
Dados alarmantes
O pedido para a realização da audiência foi feito pelas deputadas Vivi Reis (Psol-PA), Erika Kokay (PT-DF) e Maria do Rosário (PT-RS). Vivi Reis afirmou que os dados são alarmantes. “Levantamento feito pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública em parceria com o Unicef mostra que diariamente mais de 100 crianças e adolescentes são vítimas de violência sexual no País”, mencionou. “No Pará, que é o meu estado, os dados da Secretaria Estadual de Assistência Social, Trabalho, Emprego e Renda apontam que, em 2020, pelo menos seis crianças e adolescentes foram violentadas sexualmente por dia”, acrescentou.
A parlamentar lembrou que a maior parte dos casos ocorre dentro das próprias famílias e que há subnotificação do número de casos. Ela disse que vai apresentar requerimento de informação ao Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos sobre o subfinanciamento, a descontinuidade na implementação do Plano Nacional de Enfrentamento à Violência contra a Criança e o Adolescente, e a falta de prioridade para as políticas públicas de combate ao problema.
Plano específico
Secretária-executiva da Rede ECPAT Brasil – coalizão de organizações da sociedade civil que trabalha para a eliminação da exploração sexual de crianças e adolescentes –, Amanda Ferreira disse que o problema requer um plano específico para seu enfrentamento. Ela criticou a inclusão da exploração sexual no Plano Nacional de Enfrentamento à Violência contra a Criança e o Adolescente, anunciado pelo governo.
A deputada Erika Kokay reiterou a crítica. “A gente deve se posicionar contra essa diluição, esse plano global, tirando o recorte específico do Plano Nacional de Enfrentamento da Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes”, defendeu. Ela acrescentou que o plano precisa de ações, prazos e mecanismos de monitoramento e de responsabilização do gestor para implementá-lo.
Não havia deputados favoráveis ao governo no debate promovido pela Comissão de Direitos Humanos e Minorias.
Itamar Gonçalves, da Coalizão pelo Fim da Violência contra Crianças e Adolescentes, também reivindicou políticas públicas, especialmente de prevenção, e recursos para o combate ao problema. Ele chamou atenção ainda para a necessidade de integração dos diversos serviços da rede de proteção para que as vítimas não sejam prejudicadas ao denunciar a violência sofrida. “No Brasil, as leis são avançadas, mas somos péssimos em implementá-las”, avaliou.
Internet
Integrante do Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua, Dani Sanchez observou que hoje os professores não podem falar nas escolas sobre sexualidade e gênero, abrindo precedentes para que a violência sexual não seja compreendida e seja silenciada. Ela afirmou ainda que, na internet, há uma naturalização da exploração sexual de crianças e adolescentes, por meio de figuras como “sugar daddy” e “sugar mommy”, dificultando ainda mais o combate ao problema. E frisou que as maiores vítimas de violência sexual estão na periferia e são pessoas negras.
Procuradora do Trabalho do Ministério Público do Trabalho, Fernanda Brito Pereira salientou que a exploração sexual constitui uma das piores formas de trabalho infantil e ainda provoca outros problemas, como doenças sexualmente transmissíveis, gravidez precoce, estigma social e impactos psicológicos.