Ao longo de cinco anos, uma força-tarefa do Ministério Público do Trabalho (MPT) identificou casos de trabalho infantil, irregularidades de segurança e na saúde de trabalhadores no maior polo de produção de gesso da América Latina, na região pernambucana de Araripe, próxima à divisa com Ceará e Piauí. O Brasil é o 16º maior produtor mundial de gipsita, minério que dá origem ao gesso, e 97% da produção vêm de cinco municípios de Pernambuco.
O tema foi discutido na quinta-feira (19), em audiência conjunta das comissões de Trabalho e de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados com representantes da Organização Internacional do Trabalho (OIT), do sindicato da indústria local, de prefeituras da região e do MPT.
O procurador do trabalho Rogério Wanderley explicou as ações desenvolvidas a partir da constatação dos problemas encontrados na produção gesseira em Pernambuco. Segundo ele, os problemas foram levantados de forma técnica em parceria que o MPT fez com a OIT e o Pacto Global das Nações Unidas. Depois criaram um grupo de trabalho (GT 2030), em que convocaram diversos atores que podem contribuir na solução desses problemas.
"Convocamos atores públicos e também da iniciativa privada, e partir daí criamos um plano de desenvolvimento local que prevê ações concretas para melhorias das condições sociais do local”, disse.
Balanço
Mais de 3.500 trabalhadores já foram beneficiados pelo trabalho do MPT. Foram ajuizadas mais de 400 ações civis públicas em Petrolina (PE), segundo a procuradora-chefe de Pernambuco, Ana Carolina Ribemboim. Ela destaca que uma das preocupações foi atuar de forma coercitiva, mas sem inviabilizar a produção do polo gesseiro, principal responsável pela atividade econômica dos municípios.
"A nossa preocupação era como, através de nossas ações desenvolvidas no polo gesseiro, cumprirmos uma outra meta social do Ministério Público do Trabalho, que é a meta de transformador da realidade”, disse.
A cadeia produtiva do gesso envolve três etapas. No sertão de Araripe, cerca de 40 empresas de mineração extraem a gipsita, matéria-prima do gesso, em uma das maiores jazidas do mundo. A gipsita é vendida a empresas locais, que transformam gesso em pó, ensacam e vendem a empresas que fazem placas de gesso. A maioria dos contratos não é formalizada nas empresas, mas não apenas isso, como destaca a oficial de projetos em políticas públicas da OIT, Laura Abramo Diaz.
“Foi possível encontrar condições análogas à de escravo e também uma importante presença de trabalho infantil por meio de adolescentes que exercem atividades perigosas, que é uma clara violação dos princípios fundamentais do trabalho", observou.
Adolescentes trabalham no carregamento de caminhões e produção de placas. Para a saúde, segundo o Ministério Público, a poeira do gesso provoca problemas respiratórios e há subnotificação do adoecimento e dos acidentes de trabalho. As equipes não estão preparadas para fazer o nexo de causalidade com a atividade gesseira, o que prejudica as políticas públicas de saúde em caráter preventivo e dados epidemiológicos.
Saúde dos trabalhadores
Em um vídeo apresentado na audiência pública, representante da Coordenação de Vigilância em Saúde de Trindade (PE) relatou problemas médicos no pulmão provocados pelo gesso, como câncer, o que foi refutado pela presidente do Sindicato da Indústria do Gesso de Pernambuco (Sindusgesso), Ceissa Campos Costa.
“Eu acho até irresponsável essa fala porque em momento nenhum, em comprovação química ou estudo médico, foi identificado o gesso como algo que causa câncer de pulmão", disse.
Segundo ela, seria interessante fazer um levantamento junto ao Sesi de Araripina (PE), que acompanha essas empresas da região, e fazer um levantamento de todos es exames periódicos que identificam através de raios-x de pulmão o que é que provoca realmente o gesso.
Para Ceissa, o maior problema do setor é a informalidade, com mais de 50% das empresas nessas condições. A representante da indústria do gesso defende a fiscalização e o fechamento de quem não tem alvará de funcionamento.
Prefeituras
O mesmo problema foi ressaltado pelo vice-prefeito de Araripina, Evilásio Mateus da Silva Cardoso, e pela prefeita de Trindade, Helbe Nascimento.
“O que nos entristece também é saber que os poderes públicos não estão preocupadas com o vínculo da educação, de fazer um trabalho educativo, um trabalho preventivo. É mais a fiscalização para vir para punir e nós vemos aqui os gesseiros, como são conhecidos, os empresários, muitos sonegam impostos, não têm condições de se legalizaram por conta das cobranças e das dificuldades que são inúmeras", disse.
Para Helbe Nascimento, se não fosse o polo gesseiro, a região seria mais carente ainda.
Compromisso dos gestores
O deputado Túlio Gadêlha (Rede-PE), que propôs a realização da audiência, explicou o objetivo da reunião.
“Queremos compromisso dos gestores e prefeitos de políticas públicas para sanar o problema da informalidade, sonegação fiscal e qualidade de trabalho degradante, tanto no que diz respeito a jovens e crianças, como pessoas que têm carga exaustiva. Isso é feito há muitos anos e queremos quebrar esse modelo econômico que não desenvolve as cidades”, disse.
O polo gesseiro de Araripe reúne 40 mineradoras, 170 calcinadoras, além de 600 empresas de pré-moldados que fazem placas e blocos de gesso.