Participantes de debate na Comissão de Legislação Participativa da Câmara dos Deputados cobraram nesta terça-feira (24) a retomada do pagamento de indenizações pelo Estado às vítimas da ditadura militar. Eles criticaram a atual gestão da Comissão de Anistia, a cargo da ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Cristiane Rodrigues Brito.
Criada em 2002, com o objetivo de reparar vítimas e responsabilizar os agentes da ditadura, a Comissão de Anistia já recebeu mais de 79 mil pedidos de indenização, desse total foram arquivados 75 mil. Hoje, 3.887 pedidos aguardam análise. O órgão conta com um conselho consultivo, no entanto a decisão final cabe ao ministro.
Para o ex-secretário da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) da OEA, Paulo Abrão Pires, o atual impasse na análise dos pedidos de indenização pode prejudicar o direito das vítimas e a ideia de "apaziguamento nacional" criada pela Lei da Anistia de 1979. “Interromper ou descontinuar esse processo de reconhecimento do direito da reparação é colocar em risco as próprias bases da reconciliação nacional, às quais nós devemos a nossa transição democrática”, disse.
O especialista em Direitos Humanos afirmou que a atuação da comissão é “restritiva aos direitos e incompatível com a legislação”. Ele vê erros na postura atual, que diferencia as pessoas que participaram da resistência armada daquelas que não participaram, para fins de reparação. Segundo essa interpretação, as pessoas envolvidas no conflito armado não têm direito à indenização porque não foram vítimas.
“Essa diferenciação não está prevista na lei nem na Constituição, que estabelece que todas as pessoas têm direito à reparação”, pontuou. “É preciso ter a postura de reparação que seja mais ampla e protetiva daquelas pessoas que foram atingidas por atos de exceção, sem desvirtuar que o ônus da prova cabe ao violador dos direitos humanos”, concluiu.
A deputada Luiza Erundina (Psol-SP) também cobrou a retomada das reparações às vítimas. “Enquanto houver desaparecido políticos, que são 434, continua o crime”, sustentou.
O deputado Ivan Valente (Psol-SP), que teve seu pedido de indenização negado pela comissão em abril, criticou o impasse da política de reparação no Brasil, se comparado aos vizinhos latino-americanos.
“Em qualquer país da América Latina, os torturadores foram condenados, inclusive generais da ditadura argentina e chilena, à prisão perpétua. Aqui não, aqui eles são promovidos”, frisou. O deputado relatou que entrou na clandestinidade em 1971, tendo sido preso e torturado no DOI-CODI do Rio de Janeiro.
Motivação política
Ex-conselheiro da Comissão de Anistia, Vitor Neiva também criticou a política atual de anistia, observando que “o fato gerador da anistia não é o ato da vítima, mas a repressão por motivação política”.
Um dos pontos polêmicos, segundo Neiva, é a interpretação de que apenas tem direito à indenização as pessoas que participaram de greve com motivação política. Dessa forma, os pedidos poderiam ser negados por falta de prova, mesmo que a pessoa tenha sofrido durante a manifestação por ato da polícia.
“Se o trabalhador numa realidade de hiperinflação colocasse na pauta de reivindicação que ele queria aumento de salário, ele já não tem direito à anistia, para essa comissão de anistia, porque ele só teria direito se a greve fosse para derrubar o governo”, reclamou.
Comissão de governo
Na visão da pesquisadora da UnB Eneá de Stutz e Almeida, os impasses começaram quando a Comissão de Anistia, que foi criada como uma comissão do Estado, passou a ser uma comissão de governo. Isso, conforme ela, ficou evidente quando a comissão deixou de ser vinculada ao Ministério de Justiça, no início do atual governo.
“Ela (comissão) comete uma das maiores inconstitucionalidades quando começa a afirmar que não só não houve um golpe de estado em 1964, como aqueles que na época sofreram, alguns pagaram com a própria vida, estavam na verdade em ações terroristas e subversivas, e hoje em dia essas pessoas são revitimizadas e humilhadas”, sustentou.
O deputado Leonardo Monteiro (PT-MG), um dos que solicitaram a reunião, disse que o colegiado vai formular uma denúncia sobre a atual política da Comissão de Anistia para ser encaminhada aos órgãos internacionais que tratam de direitos humanos. “Vamos elaborar também uma proposta sobre o tema para o próximo governo”, disse.