Representantes do Executivo e das Nações Unidas, além de procuradores e defensores públicos, apresentaram ações em curso e sugestões para acabar com a onda de ameaças à Terra Indígena Yanomami, alvo de garimpeiros ilegais, aliciamento sexual de mulheres e crianças e variadas formas de violência e doença.
O debate ocorreu nesta quinta-feira (2) em audiência conjunta da Comissão de Direitos Humanos e Minorias e da Comissão Externa da Câmara dos Deputados que acompanha a situação dos Yanomami na região Waiká, em Roraima.
Integrante do grupo de trabalho sobre comunidades indígenas na Defensoria Pública da União, Renan Sotto Mayor lamentou que as ações do governo federal na região estejam atrasadas e só tenham ocorrido após ações civis públicas e decisões judiciais. Uma delas é a ADPF 709, Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, acatada pelo Supremo Tribunal Federal para obrigar a União a cessar crimes, investigar delitos e introduzir políticas públicas em sete terras indígenas, entre elas a Yanomami.
“Em 2020, fizemos requerimento de medida cautelar à Comissão Interamericana de Direitos Humanos e é muito angustiante estarmos em junho de 2022 e realmente perceber a omissão do Estado brasileiro", disse. "Por que existe a ADPF 709? É para buscar evitar a progressão do genocídio que temos em curso no Brasil. O governo não precisaria de ADPF porque a garantia dos direitos dos povos indígenas é uma missão constitucional do Estado brasileiro", afirmou.
Pressão
A cobrança aos órgãos do Executivo continuou com Jan Jarab, representante regional do Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos (ACNUDH).
“Os povos indígenas estão sob pressão porque suas terras e territórios – que, para eles, são fontes de sustento das comunidades, mas também elementos essenciais de espiritualidade e cosmovisão – são tratadas, por muitos atores da sociedade dominante, só como potenciais fontes de dinheiro e de mercadoria. Por todo o continente, estamos observando essa pressão das mineradoras, dos monocultivos e dos atores criminais”, disse Jan Jarab.
A Terra Indígena Yanomami está homologada desde 1992 e abriga cerca de 27 mil indígenas em 366 aldeias. De forma geral, os órgãos federais citam dificuldades orçamentárias, de acesso e de logística para o pleno atendimento das necessidades da região. A Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) informou que mantém 37 polos e 77 unidades básicas (UBSI) em terras Yanomami.
Proteção
Representante da Fundação Nacional do Índio (Funai), Geovanio Pantoja disse que, desde 2019, foram reativadas quatro bases de proteção no rio Mucajaí e na Serra da Estrutura. A quinta base está em fase de instalação no rio Uraricoera para ampliar a presença do Estado, sobretudo no combate emergencial ao garimpo ilegal.
“Desde janeiro, a equipe da Funai, juntamente com a Força Nacional, já ocupa a região. Está faltando estrutura física? Está. A gente está nesse processo de construção dessa base de proteção, mas a permanência do Estado está lá, na calha do rio”, afirmou.
A Polícia Federal informou não ter estrutura nem atribuição constitucional para o policiamento ostensivo da Terra Indígena Yanomami. No entanto, é a instituição que investiga as violações ocorridas na região, que só tem acesso aéreo e fluvial.
O delegado Paulo Oliveira lembrou que operações de 2018 retiraram mais de mil garimpeiros da região, mas não tiveram continuidade. Mesmo diante das dificuldades operacionais e de logística, a Polícia Federal conseguiu destruir ou apreender, do ano passado até agora, 31 acampamentos, 14 balsas, 14 mil litros de combustíveis, 4.250 Kg de mercúrio, quatro motosserras, três placas de energia solar e uma aeronave. Seis garimpeiros foram presos em flagrante.
Oliveira ressaltou que o garimpo em terras indígenas pode ser claramente tipificado como crime com base nas leis de crimes ambientais (Lei 9.605/98) e contra a ordem econômica (Lei 8.176/91). O delegado da Polícia Federal citou o plano de atuação para a região que, segundo ele, está sendo elaborado pela Secretaria de Operações Integradas do Ministério da Justiça (Seopi).
“Esse plano tem o enfoque não apenas do combate ao crime, que é a parte da Polícia Federal, mas principalmente de fazer presente essa estrutura estatal na Terra Indígena Yanomami”, explicou.
Investigação
A Polícia Federal abriu inquérito para investigar a denúncia de comércio de ouro por servidores públicos em troca de alimento e vacina para indígenas em terras Yanomami. No entanto, o delegado Paulo Oliveira informou que não houve confirmação do caso de estupro e morte de uma menina de 12 anos de idade na aldeia Arakaça, alvo de repercussão internacional. Segundo ele, também não teria havido má-fé dos indígenas que denunciaram o caso, ainda em investigação.
O procurador federal Alisson Marugal informou que o Ministério Público também apura a denúncia.
Marugal sugeriu que, entre as estratégias de superação da série de ameaças aos Yanomami, seja incluída a disseminação da educação indígena para fortalecer os territórios étnico-educacionais, ampliar a conhecimento da cultura local e formar novas lideranças indígenas.
Coordenadora da comissão externa da Câmara e da Frente Parlamentar em Defesa dos Povos Indígenas, a deputada Joenia Wapichana (Rede-RR) também quer garantir segurança alimentar e de saúde, sobretudo diante do aumento dos casos de subnutrição e várias doenças nessas comunidades.
“É uma obrigação nossa de fazer essa fiscalização em relação às ações do Executivo. Ninguém pode banalizar a situação de se ver morte de indígenas: não é natural isso, nem em consequência do garimpo nem em relação à violência. Também estou solicitando uma audiência com o ministro da Justiça para ver em que a gente pode auxiliar nessa questão, já que também é uma responsabilidade nossa como Parlamento brasileiro”, disse a deputada.
A audiência com o ministro da Justiça, Anderson Torres, será marcada logo após a divulgação do relatório sobre as diligências de deputados e senadores a Roraima e à Terra Indígena Yanomami no início do mês.