A Comissão Mista de Orçamento realizou audiência pública nesta terça-feira (21) para discutir a possibilidade de realizar transferências especiais por meio de emendas de bancada estadual. Atualmente, a modalidade só é permitida por meio de emendas individuais. Na transferência especial, os recursos são enviados diretamente ao caixa da prefeitura ou do estado beneficiado, sem finalidade definida e sem precisar que antes seja celebrado um convênio ou apresentado um projeto.
Apesar de as transferências especiais serem defendidas por parlamentares como um meio de desburocratizar e acelerar os repasses do governo federal, especialistas do Ministério da Economia, do Tribunal de Contas da União (TCU) e das consultorias de Orçamento da Câmara e do Senado apresentaram ressalvas quanto a seu uso em emendas de bancada. Eles temem que a mudança prejudique a transparência no uso de recursos públicos e torne os gastos menos eficientes.
Atrasos
Ao defender as transferências especiais, o deputado Tiago Dimas (Pode-TO), que solicitou o debate, informou que 9 das 19 emendas da bancada do Tocantins em 2021 foram empenhadas, mas ainda não pagas. Neste ano, 7 das 15 emendas do estado ainda não foram empenhadas. Tiago Dimas observou que, com a demora, as obras ficam mais caras e os municípios não têm condições de levar melhorias à população. "O País hoje gasta muito mais com a fiscalização dos recursos do que com os próprios investimentos", lamentou.
Entre os motivos para atrasos na execução, o presidente da Associação Tocantinense de Municípios (ATM), Jocélio Nobre, culpou a Caixa Econômica Federal pela demora na análise de projetos. "Muitas empresas nem querem participar das licitações por causa da burocracia", relatou. "As transferências especiais atendem o que a população quer e dão à sociedade o meio de escolher o que precisa. Nas cidades pequenas, dependemos desses recursos para fazer grandes obras."
Transparência e controle
A diretora do Departamento de Transferências da União, Regina Lemos de Andrade, do Ministério da Economia, alerta que as transferências especiais podem levar a uma perda de transparência nos gastos de emendas de bancada. "De R$ 2,7 bilhões das transferências especiais nos últimos três anos, apenas R$ 178 milhões ou quase 7% foram divulgados", comparou.
Ela também levantou dúvidas se os gastos públicos seriam mais eficientes por meio de transferências especiais. "Ter dinheiro parado na conta não quer dizer que a obra foi feita", comentou.
O secretário de Macroavaliação Governamental do TCU, Alessandro Aurélio Caldeira, também lamentou a falta de controle nas transferências especiais. "Ainda não há uma definição se os órgão federais de controle têm competência de fiscalizar esses recursos", comentou. Ele nota que os municípios receberam 92% das transferências especiais, enquanto os estados tiveram apenas 8%.
O deputado Mauro Benevides Filho (PDT-CE) propôs que o Congresso defina mecanismos de fiscalização para permitir a ampliação das transferências especiais para emendas de bancada. "Não vejo nenhum problema para que isso seja organizado no Congresso para que as transferências especiais aconteçam de maneira mais frequente", defendeu. "A burocracia da Caixa Econômica Federal para analisar os convênios acabou estimulando as transferências especiais e cabe agora aprimorá-las."
Já a deputada Adriana Ventura (Novo-SP) discorda do uso de transferências especiais em bancadas estaduais. "Isso é uma afronta ao Orçamento e ao interesse da Nação. Não tem como ver como o dinheiro está sendo utilizado. Não tem transparência ou fiscalização", acusou. "As emendas de bancada deixaram de cumprir o seu papel para projetos de grande vulto e passaram a ser repartidas entre os parlamentares."
Crescimento
O consultor de Orçamento do Senado Diogo Antunes nota uma tendência de crescimento nas transferências especiais. Em 2020, eram apenas 7% das emendas individuais, ou R$ 621 milhões. Em 2021, as transferências especiais cresceram para R$ 2 bilhões (21% das emendas individuais), e em 2022, R$ 3,3 bilhões (30%).
Além do aumento nos valores, cresceu também o número de parlamentares que fazem uso das transferências especiais. Em 2020, apenas 23% destinaram emendas individuais nesta modalidade. Em 2022, foram 85%. "Os parlamentares, em grande medida, viram uma utilidade nas transferências especiais", afirmou Antunes.
O consultor de Orçamento da Câmara dos Deputados Eugênio Greggianin defendeu que o uso de transferências especiais em emendas de bancada exigiria a aprovação de uma proposta de emenda à Constituição, e não poderia ser apenas por mudança na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO).
As emendas de bancada estadual têm o objetivo de tocar obras estruturantes e, tradicionalmente, atendem demandas de interesse estadual e governadores. No entanto, Greggianin observou que, recentemente, essas emendas passaram a adotar demandas locais de municípios, o que pode gerar distorções. Em 2020, as emendas de bancada atenderam 2.272 municípios, com uma média de R$ 2,58 milhões por município.