Cerca de 20 representantes da Justiça Eleitoral, ONU, Mercosul, Ministério Público, Defensoria Pública, Conselho Nacional dos Direitos Humanos, associações de imprensa e outras entidades da sociedade civil denunciaram, na Câmara, casos atuais e frequentes de violência política e desinformação que ameaçam a democracia brasileira. Diante dos riscos de agravamento da situação em ano eleitoral, também sugeriram soluções imediatas para a questão. Eles participaram de seminário nesta quarta-feira (29) organizado pelas Comissões de Direitos Humanos e de Ciência e Tecnologia da Câmara dos Deputados.
Entre vários outros pontos, a lista de sugestões inclui integração dos canais de denúncia, observatório unificado de registro de violência e de acompanhamento dos processos, além do reforço dos programas de proteção a jornalistas e defensores de temas socioambientais e de direitos humanos. O deputado Orlando Silva (PCdoB-SP) foi um dos organizadores do seminário.
“A nossa equipe vai coletar o conjunto de sugestões apresentadas pelos painelistas para compor um relatório final de indicações para o enfrentamento da violência política”, disse.
Violência institucionalizada
A presidente da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), Maria José Braga, denunciou que a violência contra a categoria “explodiu a partir de 2019”, com crescimento de 105% no número de casos em 2020 e 431 registros em 2021. Para ilustrar o que chamou de “deterioração da democracia brasileira”, ela lembrou que, só no ano passado, 147 ataques a jornalistas e a veículos de comunicação partiram do presidente Jair Bolsonaro, equivalentes a 34% dos registros de violência da Fenaj. O presidente da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), Otcávio Costa, vê violência institucionalizada.
“Quem mais fomenta a violência contra os jornalistas é o atual presidente da República e, com isso, é lógico que ele acaba incitando a militância dele a agir da mesma forma”.
Sindicatos da categoria comemoram a decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo, que, em segunda instância, manteve a condenação de Bolsonaro por ofensas à jornalista Patrícia Campos Mello, da Folha de S. Paulo. Por outro lado, denunciaram táticas para manter a sociedade desinformada, silenciar a imprensa e blindar a extrema direita.
O Sindicato dos Jornalistas do Distrito Federal também apontou censura à EBC, empresa pública de comunicação, sobretudo em temas ambientais e ligados a casos emblemáticos, como dos assassinatos da vereadora carioca Marielle Franco, do indigenista Bruno Pereira e do jornalista Dom Phillps. A Fenaj defende a aprovação do projeto de lei (PL 191/15) que federaliza as investigações de crimes contra a atividade jornalística. Outras entidades citaram a necessidade de protocolo nacional de segurança e de observatório unificado entre as medidas protetivas. O representante regional para América do Sul do Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos (Acnudh), Jan Jarab, concordou.
“A proteção de jornalistas, defensores e defensoras dos direitos humanos, parlamentares eleitos e eleitas e candidatos é parte integral desse esforço, assim como o direito à informação confiável”, apontou.
Discurso de ódio na internet
Além de fake news, o Coletivo Intervozes denunciou a violência via internet por meio de hackeamento, invasão de perfis e propagação de discurso de ódio contra negros, indígenas e ambientalistas, entre outros grupos. Entre as sugestões, está a aprovação da proposta (PL 2630/20) que cria mecanismos de transparência, prestação de contas e responsabilidade das plataformas digitais.
O presidente da associação LGBTQIA+ (ABGLT), Gustavo Coutinho, defendeu a inelegibilidade dos que praticam discurso de ódio. Ele afirmou que, apesar de casos recentes de violência e desrespeito na Assembleia Legislativa de São Paulo e em Câmaras Municipais do estado do Rio de Janeiro, já existem 210 pré-candidaturas LGBTs na eleição deste ano. Representante do Instituto Marielle Franco, Brisa Lima alertou que, mesmo diante do recente aumento da representação feminina no Parlamento, e em outros espaços de poder, a violência política ainda persegue as mulheres.
“Esse avanço é tímido. É importante a gente observar também os desafios com os quais essas mulheres se deparam quando entram nesses espaços institucionais de tomada de decisão. A gente está vivenciando todo um processo de intensificação de violação de direitos humanos”.
Aposta no diálogo
Contra a violência política e a desinformação, a secretária-geral da presidência do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Christine Peter, aposta no diálogo e no reforço das instituições democráticas
“É preciso abrir-se ao diálogo com quem conversa com outros, com quem são os formadores de opinião, e chegarmos a algumas ações coletivas comuns para nos comprometermos com as verdades e com os fatos e não com as mentiras, também chamadas de fake news”, disse.
O seminário sobre impactos da desinformação e da violência política para a democracia também contou a participação da ex-procuradora-geral da República, Raquel Dodge, e do diretor do Instituto de Políticas Públicas em Direitos Humanos do Mercosul, Remo Carlotto.