Especialistas e deputados concluíram que a correção anual do salário mínimo só pela inflação passada é insuficiente. Nos últimos três anos, o governo Bolsonaro ajustou o piso salarial pela variação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), e a previsão da equipe econômica é manter o ritmo em janeiro de 2023.
“O salário mínimo tem de ser visto como política de Estado, porque é impossível imaginar que as pessoas vão ganhar menos a cada dia”, disse nesta quinta-feira (7) o deputado Zé Neto (PT-BA), em debate na Comissão de Desenvolvimento Econômico, Indústria, Comércio e Serviços da Câmara dos Deputados.
“A valorização do salário mínimo nos anos 2000 e 2010 foi fundamental para a redução da desigualdade de renda, além de fomentar o consumo e, desse modo, o crescimento econômico naquele período”, ressaltaram Zé Neto e Helder Salomão (PT-ES), autores do pedido para realização da audiência pública.
Durante o debate, representantes do Ministério do Trabalho e Previdência, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) confirmaram a valorização do salário mínimo desde o Plano Real, mas apontaram uma estagnação após 2016.
Atualmente, o salário mínimo é de R$ 1.212,00. Segundo dados do Ipea, se descontada a inflação no período, o piso nacional mais do que dobrou em relação a 1995, quando foi equivalente a R$ 517,43 em valores de hoje. Em 2016, valia atuais R$ 1.203,91 – o montante agora, seis anos depois, é só R$ 8,09 superior.
O governo Bolsonaro tem corrigido o salário mínimo pela inflação (INPC) do ano anterior. Como os preços continuam subindo, em maio os R$ 1.212,00 não foram suficientes para comprar a cesta básica na capital paulista, cotada em R$ 1.226,12 naquele mês, segundo o Dieese e a Fundação Procon de São Paulo.
Reajuste
A proposta do Poder Executivo para a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), a ser votada pelo Congresso Nacional nos próximos dias, prevê para o salário mínimo uma correção de 6,77% em janeiro de 2023. A remuneração referencial passaria, então, a R$ 1.294,00. Até maio último, a inflação pelo INPC já acumulava 4,96%.
Recentemente, o salário mínimo teve reajustes acima da inflação. “Foi a pressão”, disse o dirigente da Central Única dos Trabalhadores (CUT) Valeir Erlte, ao explicar a prática dos governos Lula e Dilma. Ganhos reais existiram quando cresceu a economia (PIB) e em razão de regras previstas nas leis 12.382/11 e 13.152/15.
Supervisora de pesquisa do Dieese, Patrícia Costa disse que reajustes do salário mínimo acima da inflação poderiam ter contribuído para amenizar os efeitos da pandemia de Covid-19. Para além da crise atual, ela sustentou que aumentos na renda e no consumo das famílias podem estimular o crescimento econômico.
“É preciso, além da incorporação da produtividade e da inflação, que tenhamos um ‘colchão’, assim a política de valorização do salário mínimo seria anticíclica, e nas crises impulsionaria mais fortemente as rendas baixas”, disse André Calixtre, pesquisador do Ipea. Ele sugeriu algo como 1 ponto percentual extra por ano.
Embora no debate tenha concordado em linhas gerais, o subsecretário de Políticas Públicas de Trabalho do Ministério do Trabalho e Previdência, Sylvio Medeiros, alertou para a necessidade de mais análises sobre o tema. Para ele, normas semelhantes àquelas leis que perderam a vigência seriam ineficazes.
“A gente precisa de um Brasil com menos auxílios e mais empregos, mas também de um País que, quando precisa resistir e sobreviver, que não se contamine – nem pela euforia dos bons momentos, nem pelo pessimismo dos maus momentos –, mas consiga caminhar para uma discussão sustentável”, disse Sylvio Medeiros.
No debate, o deputado Reginaldo Lopes (PT-MG) defendeu a volta dos reajustes acima da inflação no salário mínimo. “A incompetência do governo Bolsonaro está corroendo o poder de compra de 70% da população, aqueles que ganham até dois mínimos”, criticou. “É lamentável o Brasil ter voltado ao mapa da fome.”