Servidores da Fundação Nacional do Índio (Funai) reiteraram nesta sexta-feira (26) alerta sobre a precariedade das condições de trabalho de indigenistas que atuam na frente de proteção a povos isolados no Vale do Javari, terra indígena localizada nas cidades de Atalaia do Norte e Guajará (AM).
Em audiência na Comissão de Trabalho, Administração e Serviço Público da Câmara dos Deputados também foi levantada a preocupação com o esvaziamento da fundação, que opera hoje com 46% dos cargos ocupados - 33% desse percentual já estão aptos para a aposentadoria.
A Funai é responsável por garantir direitos sociais, territoriais, culturais e ambientais de 305 povos indígenas que falam 274 línguas e ocupam 13% do território nacional. Esses povos estão distribuídos em áreas de alta biodiversidade, em muitos casos, marcadas pela atuação do crime organizado.
Segundo a representante do Sindicato dos Servidores Públicos Federais, Mônica Machado, faltam coletes à prova de balas, combustível para abastecer lanchas usadas em deslocamento, além de apoio regular das forças de segurança aos 92 servidores que trabalham nas 5 bases estratégicas distribuídas pelo Vale do Javari.
“É muito comum o servidor com ameaça de morte e sem o tratamento institucional adequado à altura desses desafios”, frisou a servidora do órgão. Ela observou ainda que esse profissional não tem poder de polícia nem direito a porte de armas, além disso não pode autuar infratores nas terras indígenas.
A deputada Erika Kokay (PT-DF) relatou que em recente visita a Atalaia do Norte, onde o indigenista Bruno Pereira e o jornalista inglês Dom Phillips foram assassinados, observou um número reduzido de servidores da Funai encarregados de fiscalizar diversas denúncias de prática de atividades ilícitas, como extração de minério e madeira, além da pesca predatória.
Em sua avaliação, essas condições apontam para "assédio institucional" porque incapacitam a Funai de realizar suas competências. “Para além de não ter o poder de polícia, esses servidores não podem exercer funções que são de fiscalização, sem ter um conjunto de outros órgão públicos que possam dar respaldo”, frisou a parlamentar, que solicitou a audiência.
Crise Institucional
Sobre o esvaziamento da Funai, Mônica Machado alertou para a ausência de um plano de carreira para indigenistas, que garanta a esses profissionais medidas compensatórias e protetivas por exercerem atividade de risco. Ela também criticou o fato de o órgão ter realizado apenas 3 concursos públicos em 30 anos.
“É uma situação de envelhecimento da força de trabalho sem reposição tempestiva pela qual, se não houver concurso público, com plano de carreira, a Funai pode fechar as portas”, reforçou.
Machado informou que hoje existem 240 unidades de trabalho voltadas para o atendimento direto aos povos indígenas, no entanto muitas funcionam com apenas um servidor. Conforme relatou, há casos em que a fundação não tem sede na cidade e o trabalho é feito na casa ou até mesmo no carro do funcionário.
Já a coordenadora de Política para Servidores da Indigenistas Associados (Ina), Luana Machado de Almeida, falou sobre a intimidação de servidores e lideranças indígenas pela atual gestão da Funai que, segundo ela, teria acionado a Polícia Federal (PF) para instaurar inquéritos criminais contra funcionários.
“Isso sem qualquer materialidade ou prova fática de crimes cometidos. Inclusive esses processos foram todos arquivados. Um mais recente foi revertido, pelo Ministério Público Federal, contra o próprio presidente (da Funai, Marcelo Xavier) por abrir um inquérito criminal sem prova", informou.
Conselho Indigenista
Para solucionar conflitos institucionais, o representante da Associação Nacional dos Servidores da Funai (Ansef), Arthur Mendes, defendeu que, não apenas os servidores, mas os próprios indígenas deveriam se manifestar sobre preenchimento de cargos estratégicos na fundação.
“Nós temos de restabelecer um quadro de institucionalidade que foi muito degradado”, sustentou. Para isso, ele sugere a reabertura do Conselho Nacional de Política Indigenista, dissolvido pelo atual governo, que funcionaria como um canal de diálogo entre indígenas e os responsáveis pelas políticas públicas que lhes dizem respeito.